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Naroca fala sobre ‘Meridiana’: raízes tropicalistas, feminismo e liberdade

Disco tem 11 faixas autorais e é o primeiro projeto da instrumentista como cantora e compositora

Rastro101
Com informações do site O Tempo

28/10/2021 por Redação

Divulgação/O TempoDivulgação/O TempoPercussionista, regente de blocos e DJ, Naroca é personagem atuante na cena musical de Belo Horizonte há quase 15 anos. Ela fez parte dos grupos de maracatu Trovão das Minas e Baque de Minas, da banda instrumental Iconili e da orquestra de improvisação Frito Na Hora, fundou o Bloco Chama o Síndico e a Fanfarra Feminina Sagrada Profana, idealizou e produziu, em parcerias com outros artistas, as festas Geleia Geral Brasileira” e “Baixo Ventre”. Naroca também é uma das fundadoras do ​​Bloco Chama o Síndico e da Fanfarra Feminina Sagrada Profana, foi integrante dos blocos Como te Lhamas e Alcova Libertina e, atualmente, toca nas bandas Chama o Síndico e Sagrada Profana.

A trajetória da musicista se mistura às recentes transformações de uma cidade que, na última década, viu surgir movimentos que colocam cultura, política e reivindicações sociais na mesma cumbuca - como deve ser - para extrair daí um caldo rico, efervescente e cheio de história. Inquieta, Naroca agora se desloca para outro lugar artístico. Há uma semana, ela lançou “Meridiana”, que descortina a faceta cantora e compositora da artista.

São 11 faixas autorais, algumas delas forjadas na tabelinha com Rafael Fantini, responsável pela produção musical do álbum, e Rafael Fares. Os singles “Tangará”, “Quero” e “Tempos Sombrios” foram lançados, respectivamente, em junho, agosto e setembro, todos acompanhados de videoclipes.

Há uma semana, as 11 faixas de “Meridiana” ganharam as plataformas digitais. O disco é resultado de composições nascidas antes e durante a pandemia. “Já tinha coisas na gaveta, que eu revisitei, e juntei com músicas novas que fui fazendo ao longo da pandemia. Depois não parei mais, já estou até escrevendo para o próximo disco”, anuncia a cantora.

“Meridiana” é um voo livre, que não vê fronteiras entre ritmos. Gravado em casa e com produção musical de Rafael Fantini, o disco, espelho das influências da instrumentista, passeia com naturalidade entre o rap e o samba-reggae, esbarra na bossa nova e no afrobeat. A linha-guia do álbum, como diz Naroca, é a liberdade: “Minha musicalidade é assim, eu sou curiosa com muitos estilos, gosto de ouvir e de tocar muitos tipos de música, e o meu disco é um reflexo disso! e acima de tudo, trouxe um pouco das coisas que eu tenho ouvido, das minhas referências de hoje somando às do passado”.



O disco vai ganhar versão em vinil e show de lançamento, com duas datas em dezembro. Será a primeira vez que Naroca se colocará no palco de outra maneira, como cantora, microfone na mão, cara a cara com a plateia. Pergunto se ela está ansiosa. “Totalmente. E como uma pessoa bastante ansiosa, estou buscando reverter esse sentimento em trabalho”, diz.

No bate-papo a seguir, Naroca fala sobre a escolha do nome “Meridiana”, revela desafios e inseguranças ao mergulhar na música pela primeira vez como cantora e compositora, se define como “uma cria da linhagem tropicalista” e pondera sobre o significado de lançar o álbum em meio a dias turbulentos - ou tempos sombrios, como diz o título da melhor música do álbum. 

Para começar nosso papo, por que dar ao seu primeiro disco o nome “Meridiana”?

Fazer esse disco foi um processo interno muito forte para mim, no qual eu busquei realizar um desejo antigo. A pandemia me provocou e me desafiou a tirar essas ideias do caderninho e colocar no mundo. Mesmo trabalhando com música há muitos anos, esse é um pra mim um desafio, um processo novo, me expressar de outras formas, com as letras, com a minha voz. Eu tinha vontade de fazer isso há muito tempo e também tinha medos e inseguranças. Paralelamente, eu venho num processo de autoconhecimento mais forte, que vem vindo com a maturidade mesmo. Venho aprendendo a acolher e inclusive curtir a minha introspecção, o meu lado frágil, o lado negro da Lua... Na acupuntura, vivi experiências fortes e transformadoras e ali encontrei esse conceito para definir canais de energia, pontes, conexões entre mundo interno e mundo externo. Achei que o nome representava bem como eu me sinto com esse trabalho: livre para expressar a minha própria diversidade, meu lado festeiro, boêmio, carnavalesco e também o meu apreço pela quietude e solitude. Além disso, os meridianos da geografia são mais conhecidos que os da acupuntura, e trazem também ideias de linhas imaginárias, que musicalmente representam pra mim a ausência de limites. Quando o artista não se coloca limites, fica mais livre para fazer a sua própria mistura. 

Você diz que o que conduz o álbum é a liberdade e você acaba passeando pelo tema em alguns versos do disco, mas também na sonoridade dele, né? Porque o que se escuta transita por diversos ritmos…

Sim! A música é uma arte maravilhosa porque ela se manifesta de várias formas, né? Ela é em si mesma uma união de sons, palavras e múltiplos significados. Venho de uma trajetória como instrumentista, sempre estive envolvida em projetos de música instrumental, desde o meu início na música em 2008, e acredito que os sons têm o poder de nos transportar para lugares, para épocas, para culturas. Como percussionista, a gente vive muito isso, a escolha dos timbres dos instrumentos, os ritmos que a gente aprende e que trazem consigo toda uma informação cultural.

Desafios, inseguranças, novas linguagens e lugares artísticos… Como foi, pela primeira vez, estar no papel de cantora e compositora?

Acho que essas quatro palavras que você colocou resumem bem! (risos) A euforia da novidade é mais forte para mim do que o medo. As inseguranças podem ser castradoras ou libertadoras. Nesse momento, optei pela segunda opção! Por encarar de frente esses medos e realizar. Novamente a pandemia entra, porque além de ter sido um momento propício pra gente repensar a nossa vida, o que estávamos fazendo, ela trouxe uma introspecção muito forte. Passei muitos e muitos dias sozinha, e fui investigando nos meus caderninhos, nos meus áudios, nos meus desejos. Fui buscando coisas que eu já tinha criado, fui me reencontrando por ali nesses arquivos. aproveitei o tempo que eu tinha para estudar, para criar coragem através do estudo, e também do apoio de outras pessoas. Eu acho isso muito importante pra quem quer fazer música, estudar, correr atrás, o conhecimento liberta. Sigo no desafio, mas sigo mergulhando, sigo aceitando as minhas imperfeições e buscando lapidar mas, acima de tudo, tentando sempre fazer mais e não ficar só pensando.

Lançada como single em setembro, “Tempos sombrios” aborda machismo, misoginia, poder feminino e autoestima. Percebi ecos de Fernanda Abreu na sonoridade rap, pop, dançante, de pista... Fale um pouco sobre essa música.

Os pensamentos feministas entraram na minha vida com os dois pés na porta por volta de 2015, 2016. Foi um movimento da sociedade brasileira, da internet, que a meu ver se misturou a uma demanda que a gente já tinha no Brasil de entender os lugares da mulher. Ali eu comecei a refletir mais e buscar analisar melhor várias situações da minha vida, seja no âmbito pessoal, de relacionamentos, de família, de trabalho, tudo. Ser mulher é uma coisa que é difícil o tempo inteiro. É muito desrespeito, assédio, é muita coisa que a gente passa. Parece que uma chavinha virou para mim, saí de alguns projetos musicais, criei a Fanfarra Feminina Sagrada Profana como uma forma de contribuir com o movimento. Muita coisa vem mudando para mim de lá pra cá. É um sentimento profundo.



Essas ideias estão presentes no disco.

Fiz questão que estivessem presentes. O feminismo está muito forte na sociedade, mas ainda não está muito representado no nosso cancioneiro. Num momento em que temos representantes da misoginia no mais alto escalão político, senti mais uma vez que precisava falar sobre isso. Musicalmente, eu quis usar uma linguagem que se aproximasse com o rap porque ritmo e poesia eram exatamente os canais que essas ideias precisavam. Comecei a ouvir mais rap depois do contato com o Rafael Fantini (produtor do disco) e acabou que no processo de produção a música foi adquirindo novos rumos, novas referências, o rap me trouxe a ideia de fazer uma poesia mais falada que cantada. O Rafa criou o beat com os sentimentos dele, tem uma pegada também de dance, sem se prender a nenhum estilo, a nossa mistura acabou ficando bem brasileira e acho que daí vem o eco da nossa garota carioca, que eu admiro muito.

Você se define como “uma cria da linhagem tropicalista”. Como isso está refletido no disco?

Pela livre mistura de estilos e sonoridades, por não achar que usar uma linguagem musical me impede de usar outra, pela contestação de tempos sombrios misturada com o lirismo de ave e sou lua. Por falar de temas do Brasil, como indígenas, orixás, carnaval. Tropicalismo, para mim, é liberdade, é misturar.

O que representa para você, artista independente e mulher da cultura, lançar esse disco no Brasil de 2021?

Uma grande vitória. Estamos num momento muito sofrido como povo, e falo isso sabendo dos privilégios que tenho. Nesse momento, é essencial que a gente cuide dos nossos lugares mais íntimos, da nossa esperança, da nossa criatividade, da nossa alegria de viver, das transformações que queremos para o mundo. Estar no Brasil 2021 tem sido muito difícil para todo mundo que luta por mais justiça social, mas felizmente temos a música, a arte e a coletividade como faróis, estamos sempre na resistência fazendo isso porque acreditamos. E é muito bom saber que somos muitas, pessoas que dão valor às diferenças, que respeitam a beleza da diversidade, que acreditam na cultura e numa vida mais sensível.

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