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Nova pandemia? Como transmite? Entenda o que se sabe sobre a varíola do macaco

O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da UFMG, Flávio Fonseca, tira dúvidas sobre a doença

Rastro101
Com informações do site O Tempo

26/05/2022 por Redação

Divulgação/O TempoDivulgação/O TempoDoença que já contaminou mais de 140 pessoas no mundo, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a varíola do macaco não tem potencial para se tornar pandêmica. O vírus, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Fonseca, também tem transmissão mais controlada, se comparado ao Sars-Cov-2, responsável pela Covid-19. 

Em entrevista à reportagem de O TEMPO, o especialista explicou que a comunidade científica já dispõe de informações sobre a enfermidade que podem balizar a tomada de decisões em um possível surto no Brasil. Até o momento, o país não registrou nenhum caso relacionado à doença. 

As infecções foram confirmadas pela OMS na Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça.

“O fato de o vírus da varíola símia (do macaco) ser menos eficiente para transmitir entre pessoas e ser mais fácil de identificar a doença, tudo isso contribui para uma vigilância maior e contenção maior de pessoas infectadas em eventuais surtos. É um vírus que já causa um surto importante, que pode chegar no Brasil, então a gente precisa vigiar e monitorar”, defende Fonseca, que também integra o Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG. 

Segundo o virologista, além de feridas na pele, outros sintomas comuns à varíola do macaco são: febre, dor no corpo e linfadenopatia - inchaço de glândulas - que pode ocorrer na região inguinal, axilas e pescoço. 

Veja, abaixo, a entrevista na íntegra:

Neste momento, o que pode ser dito sobre as formas da varíola: a humana, erradicada em 1980, e a do macaco, que tem circulação agora? 

Primeiro é importante dizer que são doenças diferentes, causadas por vírus diferentes, mas relacionados e que pertencem à mesma família viral. Não obstante eles têm alguns sintomas semelhantes.

No caso da varíola humana, por exemplo, era caracterizada principalmente pelo surgimento de deferidas pelo corpo. Era o sintoma mais visível. E a varíola do macaco também apresenta esse sintoma como principal. Mas há algumas diferenças muito importantes. 

Enquanto a varíola humana tinha letalidade alta de 10 a 40%, dependendo da linhagem de vírus, a varíola do macaco tem letalidade bem menor, em torno de 2 a 11% - e isso depende da linhagem do vírus.

A linguagem que causa o surto atual é mais fraca, que a gente chama de linguagem da África Ocidental, e que tem mortalidade na ordem de 3%. A boa notícia é que dos casos noticiados até agora, não houve letalidade associada. Então o vírus pode estar ainda mais atenuado do que a gente sabia em relação a ele, ou então são as condições.

O fato dos surtos estarem acontecendo na europa, então as pessoas têm acesso a tratamento e sistema básico de saúde, e na África isso às vezes é mais complicado. 

Como é a transmissão do vírus da varíola do macaco? 

É uma zoonose que circula em animais na África. Eventualmente chegou nas pessoas através do contato com esses animais e, uma vez infectada, a pessoa consegue infectar outra pessoa próxima.

A transmissão acontece principalmente por contato íntimo próximo e aí estamos falando de um contato pele a pele, compartilhamento de roupas de cama, banho, além da permanência no mesmo local, mas com contato físico muito próximo. Chegou a se aventar a possibilidade de transmissão sexual que ainda não é completamente elucidada.

Por ser uma transmissão de pessoa a pessoa, a varíola tem a mesma capacidade de transmissão que a Covid-19?  

Tem quatro coisas importantes que precisamos levar em consideração. A primeira é que diferentemente da Covid, o vírus da varíola símia é conhecido desde a década de 70. Quando surgiu o vírus da Covid, o Sars-CoV-2, ninguém conhecia nada sobre. 

O vírus da varíola símia a gente já conhece, já tem muita informação científica e médica acumulada, então conhecemos bem. O segundo ponto é que a transmissão dele é muito mais ineficiente do que o Sars-CoV-2. Pode transmitir pelo ar? Pode. Os principais sintomas são lesões que dão na pele, mas que também podem ocorrer na garganta, no epitélio da traqueia e a pessoa ao ter essas lesões pode tossir, espirrar e contaminar uma pessoa próxima a ela - e próxima a centímetros e até um metro de distância.

E por isso a máscara acaba eficiente, porque se alguém tossir perto de você, estando infectado, você fica protegido. É diferente da Covid que era um vírus transmitido essencialmente pelo ar. A pessoa eliminava gotas de saliva que ficam suspensas e podem transitar por até 50 metros no ar. E terceiro é que existe vacina, o que não aconteceu com a Covid.

O quarto ponto é que a gente ainda não tem medicamento altamente eficaz para Covid. Mas para a varíola símia já existem medicamentos eficazes e licenciados que foram usados em outras circunstâncias. Houve um surto entre 2000-2003 nos Estados Unidos e muitas drogas foram desenvolvidas desde então. 

Sobre a vacina citada: seria a mesma vacina utilizada nas décadas passadas, ou outra vacina adaptada especificamente para a varíola do macaco? 

Tecnicamente é a mesma vacina usada para varíola humana, porque o vírus é muito parecido. A mesma vacina protege contra as duas doenças. Só que aquelas vacinas desenvolvidas na década de 60 e 70 hoje não conseguem alcançar o padrão de segurança que as agências reguladoras exigem atualmente. 

Hoje o que a gente tem no mundo são vacinas derivadas daquelas vacinas antigas contra varíola humana que estão licenciadas, foram testadas e aprovadas por órgãos regulatórios. O Brasil não mantém em estoque hoje da vacina contra varíola - que é a mesma usada contra a varíola do macaco.

Portanto, precisaria importar essa vacina caso as autoridades julguem a vacinação como atitude necessária para conter o surto, caso se chegue no país. 

Quem foi vacinado no passado contra a varíola está protegido agora? 

Não temos certeza sobre isso. No Brasil, a vacinação terminou em meados de 1974 e 1975. Quem nasceu antes disso já tem mais de 40 anos que não tem nenhuma exposição ao vírus.

Com o tempo, as células que produzem anticorpos vão morrendo, então não dá para saber se essas pessoas continuam protegidas. Algumas pessoas com células mais longevas podem continuar sendo protegidas, mas na minha opinião a minha suspeita é de que não há mais proteção porque tem muito tempo. 

A preocupação com em assegurar vacinas já deve estar no radar do governo neste momento? 

Na verdade, os profissionais da área de saúde, gestores de saúde, estão preocupados. Na terça-feira houve reunião entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e o Ministério da Saúde e se aventou a possibilidade de já buscar contato com as empresas que hoje produzem as vacinas.

Não (para) comprar imediatamente, mas para iniciar processos de negociação se for necessário. A gente ainda não sabe nem se vai chegar no Brasil, então é um momento de vigilância sanitária, observação da entrada de pessoas no Brasil que possam desenvolver sintomas e ter capacidade de diagnóstico.

Ou seja, a gente ter a capacidade de diagnosticar pessoas que eventualmente desenvolvem algum sintoma e, aí sim, se a gente tiver casos, a gente avalia a necessidade de usar a vacina de acordo com os parâmetros do eventual surto no Brasil. 

Sobre o diagnóstico, a gente tem metodologia de teste para identificar a doença? 

O diagnóstico já existe, é molecular e é semelhante ao swab do RT-PCR da Covid. Só que a gente não usa obviamente o cotonete nasal. A gente faz o swab do líquido que sai das lesões e faz o teste molecular. Alguns centros e laboratórios no Brasil já são capacitados para realizar esse tipo de teste. 

Esses testes podem ser feitos na rede pública e particular? 

Não está disponível na rede particular, mas em laboratórios públicos que já foram indicados pelo governo como laboratórios de referência para caso de chegada de pacientes ao Brasil. Os laboratórios públicos brasileiros também vão começar a se preparar para ter a capacidade de fazer esse teste em tempo bastante rápido. 

E quais seriam esses laboratórios? 

Hoje, por exemplo, UFMG e UFRJ têm essa capacidade e outros laboratórios também estamos fazendo essa busca para detectar essa capacidade. Mas esses dois centros nas universidades já têm capacitação pro diagnóstico e podem ajudar nesse momento inicial caso chegue um suspeito amanhã, enquanto os laboratórios centrais, como Funed e Fiocruz buscam essa capacitação também 

O Brasil falhou muito em monitoramento e prevenção à Covid-19. A pandemia deixou um aprendizado para o governo que pode ser adotado agora com a varíola? 

O que a gente viveu e vive com a Covid é terrível, mas alguns legados bons podem ser apontados, entre eles nossa capacidade de monitoramento. A própria população também está mais atenta. No caso da varíola, por exemplo, é uma doença visualmente muito impactante porque a pessoa fica coberta de feridas e se preocupa mais.

Às vezes na Covid a pessoa achava que estava só com um resfriado e não ligava muito e acabava causando infecções de outras pessoas. No caso da varíola símia, a sintomatologia é muito impactante visualmente, então acho que será mais fácil de monitorar do que a Covid por exemplo 

Mas corremos risco pandêmico? 

Não acredito. O vírus é diferente, o ciclo epidemiológico é diferente. O fato de ser menos eficiente para transmitir de pessoa a pessoa, o fato dele ser maior fácil de identificar, tudo isso contribui para uma vigilância maior e contenção maior de pessoas infectadas em eventuais surtos.

O fato de ser mais fácil identificar a pessoa doente e não ser tão eficiente em transmissão como a Covid, nos garantem que não será um vírus pandêmico. Ele está causando um surto importante, pode chegar no Brasil. A gente precisa vigiar, monitorar, mas não vai se transformar em pandemia como a Covid se transformou . 

Há risco de haver pessoas assintomáticas? 

O vírus da varíola do macaco tem uma morbidade maior, que é quando a pessoa que se infecta normalmente apresenta os sintomas, que são visíveis e claros. Então você não tem o desenvolvimento de doenças assintomáticas. Mesmo porque a pessoa que não desenvolve feridas, ela não transmite o vírus. O vírus precisa que essas feridas se desenvolvam para infectar outra pessoa.

Os medicamentos utilizados para a varíola do macaco estão disponíveis no Brasil? 

Eu não sei dizer se tem oferta dele no SUS, porque são medicamentos bem específicos. O que sei é que pelo menos um deles já tem no Brasil, o Cidofovir, e drogas de segunda  e terceira geração originadas do Cidofovir. Mas tem outros fármacos já licenciados para o tratamento desse tipo de doença, mas não sei se estão disponíveis na rede de medicamentos no Brasil. 

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