Divulgação/O TempoA pandemia não só escancarou as diferenças sociais que existem no país, como também as raciais. Estudos realizados por pesquisadores de diferentes partes do país indicam que a população parda e preta sofreu muito mais com a Covid do que a branca. Um deles, publicado na revista European Journal of Public Health, indicou que, em 2020, os negros apresentaram um risco de morte 9% maior do que brancos, especialmente por causa do coronavírus.
Com base no número de mortes no ano passado, a pesquisa verificou que houve um excesso de mortalidade de 20,2% no país por causa da pandemia – foram cerca de 187 mil mortes a mais no país. Mas esse excesso se comportou de forma diferente entre os diferentes grupos raciais: entre pretos e pardos foi de 26,3% em média, enquanto entre os brancos foi de 15,1%. Ainda não há uma avaliação sobre os números de 2021, mas a expectativa é de uma manutenção nessa desigualdade.
Para os pesquisadores, o impacto desigual da pandemia tem fundamento nas questões sociais e históricas do país. “A população mais vulnerável estava na linha de frente, pegando ônibus superlotados, muitas vezes mais exposta ao vírus. A classe média pôde usufruir do home office, mas os trabalhadores negros e pobres estão na linha de frente, atuando nos serviços essenciais”, explica Deborah Carvalho Malta, que é professora da Escola de Enfermagem da UFMG e uma dos pesquisadores da universidade que participaram do estudo sobre o impacto da Covid na população negra.
Além disso, quem mora na periferia tende a ter menos acesso ao sistema de saúde e, por isso, tem maior probabilidade de desenvolver comorbidades, que foram decisivas para o risco de adoecimento e morte entre os que se infectaram. “Em muitas localidades pelo país existe um limite no acesso aos serviços de saúde e a Covid expôs essa desigualdade”, diz Deborah.
Em BH, pretos e pardos são maioria dos internados
Essa desigualdade esteve evidente em Belo Horizonte ao longo de toda a pandemia. Segundo Aline Dayrell, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisadora do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), desde abril de 2020, de 65% a 70% dos internados gravemente por Covid na capital eram pretos ou pardos.
“Todos nós somos biologicamente susceptíveis à Covid, mas nós somos injustamente afetados conforme as vulnerabilidades sociais que poderiam ser resolvidas por políticas públicas”, afirma Aline, acrescentando que os moradores de vilas e favelas foram ainda mais impactados pela doença. Bairros como Alto Vera Cruz, Cabana do Pai Tomás e Aglomerado da Serra tiveram altos índices de internação e óbitos por Covid em 2020 e 2021.
Desigualdade na vacinação
Números do Vacinômetro da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) indicam que a população negra também é mais vulnerável quando o assunto é imunização contra a Covid. O levantamento em Minas indica que 6,75% dos vacinados eram pretos, 21,91% eram pardos e 37,46% eram brancos. Mesmo que haja um grande percentual de imunizados sem a informação de raça, os dados podem indicar que é necessário desenvolver estratégias para ampliar a vacinação entre pretos e pardos.
De acordo com o Censo 2010, 9,2% da população em Minas é preta e 44,3% parda, conforme autodeclaração. Se autodeclaram brancos 45,4%.
A situação é ainda mais completa entre quilombolas. Um levantamento apresentado pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) em outubro indicou que apenas 40% dos moradores de comunidades quilombolas no país haviam completado o esquema vacinal – mesmo que esse tenha sido um público considerado como prioritário desde o início da vacinação.
Um novo levantamento ainda deve ser publicado, mas houve pouca mudança, garante a coordenadora da Conaq Kátia Penha. “Até hoje, existem comunidades que não foram vacinadas nem com a primeira dose. A ruralidade do Brasil é desconhecida pelo poder público. As pessoas não vão para a cidade para se vacinar porque têm de percorrer centenas de quilômetros”.