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Há cem anos, nascia, em BH, a dramaturga e diretora Maria Clara Machado

A mineira, que migrou para o Rio aos quatro anos de idade, deixou um legado inestimável, tendo também criado o célebre Tablado, teatro e escola

Rastro101
Com informações do site O Tempo

03/04/2021 por Redação

Divulgação/O TempoDivulgação/O TempoAtire a primeira pedra aquele que, na infância, não se deixou encantar pela história de um fantasminha que, ao contrário das figuras espectrais às quais nos habituamos a ver nos livros, nas peças infantis e no cinema, em vez de assombrar humanos, era por eles assombrado. Sim, estamos falando de Pluft, um dos mais conhecidos personagens da galeria criada pela mente fervilhante de uma belo-horizontina, Maria Clara Machado, nascida há exatamente cem anos. Embora muitos liguem sua figura à cena carioca, principalmente pelo icônico espaço cultural que ela fundou na capital fluminense, o Teatro e Escola Profissionalizante Tablado, Maria Clara nasceu aqui – era filha de Aníbal Machado, escritor, futebolista, professor e homem de teatro. Foi aos 4 anos que a família resolveu fixar residência no Rio, estabelecendo-se em Ipanema, onde a escritora e dramaturga permaneceu até a sua morte, em 30 de abril de 2001, aos 80 anos. 

Se “Pluft, o Fantasminha” é considerada a obra-prima de Maria Clara Machado, várias outras por ela assinadas também conquistaram espaço no coração das crianças: “O Rapto das Cebolinhas”, “A Bruxinha que Era Boa” e “O Cavalinho Azul” são alguns exemplos.  Ao todo, foram quase 30 peças infantis, vários livros para crianças e três peças para adultos: “As interferências”, “Os Embrulhos” e “Miss Brasil”. O Teatro Tablado foi criado em 1951 – portanto, em 2021, serão comemorados também os 70 anos de fundação do espaço pelo qual passaram nomes como Cláudia Abreu, Malu Mader, Miguel Falabella, Betty Gofman, Andréa Beltrão, Marcelo Serrado, Mateus Solano, Hildegard Angel, Micaela Góes, Djenane Machado, Cininha de Paula, Débora Lamm, Alice Wegmann, Sophie Charlotte e muitos, muitos, muitos mais (na foto abaixo, alguns dos que por lá passaram).

 

Hoje, quem está à frente do Tablado é a atriz Cacá Mourthé, sobrinha de Maria Clara (que não teve filhos). Em entrevista ao Magazine, a simpática Cacá conta que as efemérides pensadas para não deixar as duas balizas passarem em branco foram, claro, adiadas para o ano que vem, em função da pandemia. “Vamos, por exemplo, reencenar ‘Tribobó City’, e vários atores que já passaram por lá vão fazer”, conta Cacá – que, aliás, também foi batizada com o nome Maria Clara Machado. Cacá conta que, antes da pandemia, o Tablado seguia a pleno vapor, com 23 professores em cena e turmas lotadas. “As aulas têm duas horas de duração, então é sempre um entra e sai grande. Abria de manhã e, quando tinha peça adulta, fechava meia-noite, sempre com um movimento muito grande. Todos os professores foram alunos da Maria Clara ou de lá, alinhados com o método machadiano, como ela dizia, de improvisação teatral”, explica. 

No ano passado, antes de a pandemia virar o mundo de ponta-cabeça, duas peças estavam em cartaz: “H.A.R.O.L.D.O”, com Fernando Caruso – que, aliás, é professor por lá e “O Cálice Sagrado”, adaptação do filme “Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado”, com direção de Cacá Mourthé. “Estávamos com as sessões lotadas, e a gente teve que cancelar”, lamenta ela, apontando pelo menos um alento para este tempo de espera: os assentos, que, como bem lembra, estavam “velhinhos”, foram renovados, graças a uma verba captada via Lei Estadual de Incentivo à Cultura. 

Mas o marco dos cem anos de nascimento de Maria Clara não vai passar em branco. Exatamente hoje, entra no ar o novo site do filme “O Tablado e Maria Clara Machado” (www.otabladoemariaclaramachado.com.br), de Creuza Gravina, ainda inédito no circuito comercial. O evento marca o início de uma série de atividades previstas para o mês de abril. Creuza conta que estudou no Tablado durante nove anos. Embora não tenha sido aluna direta de Maria Clara Machado, chegou a conviver com ela nos corredores. O desejo de registrar toda aquela potência em um documentário, conta, veio antes mesmo da partida da fundadora do espaço. “Mas logo depois ela faleceu (em 2001, quando sucumbiu a um linfoma), e acabei deixando o projeto de lado, até para não ficar colado à morte dela”, diz. Um ano depois, ela retomou o trabalho. “Foi um bom tempo de pesquisa, no qual levantei todos os elencos – porque ela formou várias gerações de atores. Foi um processo longo, mais de cinco anos de pesquisa e gravações, mas foi ótimo, todo mundo se dispôs a participar. Ao fim, foram mais de 45 horas de material”, diz ela. 

Obviamente, editar não foi tarefa das mais fáceis. Mas eis que “O Tablado e Maria Clara Machado” finalmente ficou pronto, com mais de 60 depoimentos. A primeira versão estreou em 2007, no Festival do Rio. Desde então, participou de vários festivais, sendo sempre bem recebido. “Virou um documento histórico”, conta Creuza. No entanto, mesmo depois da première, o filme foi recebendo outras edições – a mais recente, ocorrida neste ano, graças ao fato de o projeto dos 100 anos de nascimento de Maria Clara Machado proposto por ela ter sido contemplado na Lei Aldir Blanc.  “Fizemos uma nova finalização de imagens, nova mixagem e inserimos animação, o que achei importante para o universo infantil. Foi algo que deu uma dinâmica nova, nova roupagem. É um marco do centenário, não queria que passasse em branco. Evidentemente, era para ser presencial, com essa ideia de um grande reencontro, mas aberto também ao público em geral. Mas, mesmo com todas as precauções, seria muito risco”, avalia. 

O site vai além do documentário. “Nele, o internauta vai conhecer um pouco de cada peça, vai ver vídeos de trechos, como o que traz Marieta Severo interpretando uma bruxa, assim como cenas com outros atores... E, claro, é possível saber mais sobre e o modo como ela dirigia, se relacionava com a turma. Procurei fazer uma edição bem dinâmica”, explica. No geral, Cacá Mourthé descreve a tia e mentora como “uma pessoa divertida, engraçada, mas, no trato profissional, rígida”.  Creuza se lembra dela como uma figura agregadora, democrática. “Ela via a importância do todo, da equipe, e todos os professores seguem essa linha. Quando estudei lá, ela ainda dava aulas para idosos e crianças, mas os cursos nunca foram para as pessoas fazerem correndo apenas para tirar o registro profissional. Era vivenciar, inclusive, vivenciar todas as etapas do fazer teatral. Tanto que, quando tinha um interpretando, outro atuava como contrarregras, ou no figurino, e, depois, tudo se invertia. Isso é constante, todas as gerações falam isso. Ou seja, passar por isso dá uma bagagem profissional enorme. Aliás, muitos fizeram curso de interpretação e acabaram indo para outras áreas”, diz.

Trocando em miúdos, algo que ultrapassava, e muito, a questão da escola. “Há, ali, uma gama de valores envolvidos, de tudo o que ela tentava mostrar. Só quem vivenciou consegue entender o que é fazer parte daquele grupo”, afirma. Para os que não tiveram esse privilégio, o filme e as futuras homenagens cumprirão o papel de compartilhar um pouco mais dessa experiência.

Nos palcos de BH, autora é sempre recordada

Na capital mineira, são várias as iniciativas que batem continência para Maria Clara Machado. No final do ano, por exemplo, durante a breve janela de flexibilização em meio à pandemia, o CCBB BH teve como uma de suas atrações o espetáculo “O Boi e o Burro no Caminho de Belém”, que vem a ser a primeira peça de Maria Clara Machado, de 1953. Dirigida por Fernanda Vianna, a produção retrata o mistério da noite de Natal pelo olhar do boi e do burro.

 “A Maria Clara Machado é uma das maiores dramaturgas brasileiras. Além de grande diretora e do grande legado que deixou, que é o Tablado. Quando pequena, assisti a várias montagens - ‘Pluft, principalmente. Mas a montagem que a gente escolheu é quase um auto de Natal, uma peça linda, encantadora. E espero que a gente consiga voltar com ela esse ano”, comenta Fernanda, acrescentando a forma direta com a qual os textos da dramaturga se comunicam com todas as idades. “Como o Carlos Drummond de Andrade já disse sobre as peças dela, ‘são para todos os meninos, pequenos ou calvos’” .

O diretor mineiro Diego Benicá, da Copas, já encenou várias vezes os textos de Maria Clara Machado - o mais recente, “A Bruxinha Que Era Boa”. “Conheci essa dramaturga quando adolescente, no ensino médio. Como sempre gostei muito de teatro, lia os textos e sempre me encantava, tanto pela trama quanto pela forma que ela escrevia, tratava a história. Além de tudo, os personagens: vento, fantasma, bruxas, isso tudo sempre me fascinou”, destaca Benicá.

Em 1999, o diretor montou em sua cidade natal, Cachoeira da Prata, um os maiores sucessos de Maria Clara,  “Pluft, o Fantasminha”, mas de forma amadora. “A partir dali, comecei a ler mais sobre ela, montei ‘Tribobó City’, ‘O Patinho Feio’... Depois, vim para Belo Horizonte e fundamos a (companhia) Copas. Foi quando montamos ‘Pluft’ já com todo um aparato, música, figurino, coreografia, para fazer jus ao texto dela. A partir de então, ganhamos vários prêmios, e vieram ‘A Menina e o Vento’ e ‘A Bruxinha Que Era Boa’ (foto abaixo, de Daniel Augusto). São textos verdadeiramente atemporais”, frisa.

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