
Com país quase três vezes menor que a cidade do Rio de Janeiro, ilha caribenha supera grave crise política na federação de futebol e carrega grandes influências brasileiras do passado para tentar chegar ao Mundial pela primeira vez Uma ilha pequena, autônoma há pouco tempo, com águas cristalinas e um povo simpático. As características não fazem de Curaçao o primeiro lugar que se pensa quando o assunto é futebol.
Apesar de não ter títulos de peso ou participações em grandes competições, a antiga colônia holandesa sonha com a Copa do Mundo tanto quanto os gigantes desse esporte. E está mais perto do que nunca de chegar ao torneio pela primeira vez, com a ajuda de um fator importante: a paixão pelo futebol brasileiro.
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Minhas primeiras memórias são do meu avô e meu pai vendo futebol e falando da Copa do Mundo de 1970. Cresci com aquela imagem do futebol brasileiro. O primeiro Mundial que eu vi foi o de 1982, com Sócrates, Toninho Cerezzo, Telê Santana como técnico. Desde então, o meu amor e paixão pelo futebol do Brasil foi e é infinito. Tenho cinco filhos e dois deles tem nomes de brasileiros. Gersinho, campeão mundial em 1970, e Jorginho, campeão em 1994.
Jovem morador com a camisa da seleção brasileira no torneio Legends, em Curaçao
Isabela Reis
Localizado pouco acima da Venezuela, Curaçao é um território com cerca de 60 km de comprimento e 444 m² de área - quase três vezes menor que a cidade do Rio de Janeiro. Aqui o futebol não é maioria, pelo menos não atualmente. A Federação nacional foi criada em 1921, viveu bons momentos nas décadas de 1970 e 1980, fidelizou o carinho pelo futebol e conquistou seu primeiro e único troféu profissional em 2017, a Copa do Caribe.
Na quesito esporte, quem domina é o beisebol, com vários representantes na maior liga dos Estados Unidos (MLB), além de peculiaridades como um recorde no Guinness Book de maior dominó subaquático do mundo. A ação curiosa aconteceu em abril de 2024 e envolveu 138 mergulhadores e quatro disputas simultâneas.
Já a Federação de Futebol de Curaçao passou por uma grave crise política que suspendeu os campeonatos do país no último ano. A ilha se recompôs e está em primeiro no Grupo C nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026 da Concacaf. Se vencer Santa Lúcia nesta sexta-feira, Curaçao garante a vaga na última e decisiva fase das qualificatórias, um feito histórico para a seleção.
Presidente da Federação de Futebol de Curaçao fala de paixão pelo futebol brasileiro
Antigas Antilhas Holandesas
A história conta que o território de Curaçao foi descoberto por povos indígenas, tornou-se colônia dos espanhóis, mas em 1634 passou a ser posse da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.
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Elenco de Curaçao depois de vencer Aruba por 2 a 0 na segunda rodada das Eliminatórias da Copa
ANP via Getty Images
Até 2010, Curaçao ainda era parte das Antilhas Holandesas, conjunto de ilhas que eram comandadas pelo antigo colonizador. A dissolução aconteceu no dia 10 de novembro daquele ano.
O país ganhou mais autonomia para governar nos assuntos internos, além do direito criar tributos próprios, enquanto a Holanda ainda é responsável pela supervisão financeira e pela política externa e de defesa. A título de curiosidade, os moradores da ilha também tem nacionalidade holandesa.
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— Aqui em Curaçao a maior parte das pessoas torce pelo Brasil, depois vem Argentina e Holanda, mas a torcida pela seleção brasileira é mais forte — contou Gilbert.
Torcedor mirim de Curaçao com a camisa de Rivaldo no torneio Legends
Isabela Reis
Fãs declarados
Não é preciso muito esforço para testemunhar a admiração que a ilha tem pelo Brasil. E essa relação tem raízes bastante antigas. Além da popularidade que os brasileiros tem no mundo quando o assunto é futebol, o povo de Curaçao viu de perto a qualidade do nosso gingado em campo.
No passado, o governo de Curaçao patrocinou algumas visitas de clubes brasileiros para fomentar o futebol. Pelé jogou na capital Willemstad em 1959 em uma excursão do Santos, que também passou por países como Peru e Guatemala e é relatada na autobiografia do Rei, Minha Vida e o Belo Jogo (1978). O Corinthians também esteve lá em 1981, em uma goleada de 6 a 0 com dois gols de Sócrates, e um ano depois com um empate de 0 a 0.
Estádio Ergilio Hato, em Willemstad, Curaçao
Isabela Reis
Todas as partidas foram no estádio Ergilio Hato, estádio que hoje é a casa da seleção nacional e leva o nome do ex-goleiro que ficou conhecido como Pantera Negra do Caribe.
O próprio presidente da Federação faz questão de não esconder a admiração pelos vizinhos. Nas redes sociais, Gilbert Martina compartilha imagens da seleção brasileira com legendas como Fã do Brasil pela vida.
Presidente da Federação de Curaçao exalta celebração brasileira no Instagram
Reprodução / @gilbert.martina
A ilha recebeu nos dias 28 e 29 de maio o torneio Legends, que reuniu grandes craques de diferentes seleções para uma disputa de futebol de seis. Com Holanda, Portugal, Colômbia, Argentina e a própria Curaçao presentes, os brasileiros foram os mais ovacionados.
O maior protagonista foi Rivaldo, que chegou a ser centro de um tumulto quando crianças invadiram o gramado no intervalo do jogo para tentar um autógrafo do ídolo.
Rivaldo é cercado por crianças e distribui autógrafos no Legends 2025
Nas arquibancadas, as camisas amarelas de diferentes gerações se destacavam em meio aos uniformes de futebol. A idolatria era visível até nos olhos dos jogadores que integraram a seleção de Curaçao e revelaram a honra de dividir o gramado com atletas que são ídolos.
— O Brasil é uma inspiração muito grande, mais que a Holanda. Acredito que mais da metade de Curaçao torça para a seleção brasileira. Nós tentamos praticar o estilo da seleção brasileira também, de tiki-taka. O Brasil é o Brasil, são os maiores. Os jogadores que mais me inspiram de lá são Éder (Aleixo) e Pelé — contou Joshua Bicentini, ex-atleta profissional de Curaçao.
Nova era e perto do sonho
O recomeço de Curaçao teve início em abril deste ano. A Federação de Futebol, sucessora da União de Futebol das Antilhas Holandesas, passou por uma crise política e financeira recente, causada por desentendimentos entre os clubes e também com a organização.
Chegou a sofrer uma intervenção da Fifa no ano passado e ficou sem competições nacionais até que houvesse uma nova eleição, depois que o então presidente Ramiro Griffith renunciou ao cargo em agosto. Martina assumiu a posição no dia 10 de abril e um mês depois deu início a Copa de Curaçao para times das categorias masculina e feminina.
Nesta edição das Eliminatórias, tudo está conspirando a favor de Curaçao. Em especial porque Canadá, Estados Unidos e México não estão participando - três países que costumam levar as vagas da Concacaf. Eles serão sedes da Copa do Mundo de 2026, logo já têm participação garantida. A seleção da ilha também cumpriu seu papel com a classificação nas preliminares e a liderança na primeira fase.
Torcedores de Curaçao durante partida das Eliminatórias da Copa
ANP via Getty Images
O recém-eleito presidente garante que Curaçao já recebeu uma ajudinha divina para lutar na fase final, caso a vaga se confirme. Eles são décimos colocados no ranking da Concacaf, por isso disputarão os últimos duelos das Eliminatórias com apoio da torcida.
— Serão duas partidas em setembro, duas em outubro e outras duas em novembro. Nossa posição garante que a gente comece jogando em casa e também dispute os jogos decisivos aqui. É uma benção do Criador e do universo. Posso sentir que vamos nos classificar para o Mundial — disse Gilbert Martina.
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