
Vitor Hugo chegou a ser mandado embora de clube por atuar no amador, foi vítima de racismo no Uruguai, mas deu a volta por cima com acesso na Série D Vitão fez parte do elenco do Itabaiana que subiu à Série C em 2024
Da emoção de um jogo de Copa Libertadores da América à pressão dos jogos de várzea, o volante Vitor Hugo, o Vitão, de 30 anos, conhece bem os altos o baixos do futebol. Em julho de 2024, ele fez as malas para vestir a camisa do Cong An Nhan Dan, do Vietnã, após um bom primeiro semestre pelo Itabaiana, time de Sergipe que conquistou o acesso à Série C do Campeonato Brasileiro.
– Minha passagem (pelo Itabaiana) foi intensa. Parece que joguei lá por anos. Fiz um bom estadual e uma boa Copa do Nordeste com a equipe. Entramos na Série D sabendo que era nossa última chance de ter calendário nacional em 2025, já que não conseguimos a vaga pelo Sergipano. E graças a Deus conseguimos esse acesso. Não fiquei até o final porque a proposta que eu recebi foi irrecusável a essa altura da minha carreira. Optei por vir para Ásia – explica o atleta.
O jogador, nascido em Ribeirão Preto (SP), disputou seis jogos até agora no Campeonato Vietnamita pelo clube sediado em Hanói, segunda cidade mais populosa do país. O time é o oitavo lugar na competição neste momento.
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Vitor Hugo em ação no futebol vietnamita
Reprodução/Instagram @vitornascimento08
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Na Ásia, mesmo com o forte calor e o futebol mais corrido em comparação ao Brasil, a adaptação foi rápida. A grande dificuldade, segundo ele, está na alimentação.
– Embora seja diferente de tudo que já vivi, da alimentação ao clima, sendo muito mais quente que Ribeirão Preto inclusive, o clube tem uma estrutura muito diferente, com uma comissão brasileira, que facilita muito o trabalho. Me adaptei muito rápido. O futebol é mais intenso, com mais velocidade (...) Todas as comidas são muito diferentes. Prefiro comer em casa, com minha esposa, onde a comida é mais parecida com a do Brasil. Se for para ir no restaurante comer alguma coisa asiática, não dá para encarar – comentou o atleta, que disse se esforçar para se adaptar aos hábitos alimentares vietnamitas.
– Para ser honesto, eu não como as comidas locais, embora eu goste muito das frutas daqui. As comidas são bem diferentes das que estou acostumado e ainda não me adaptei. Acabo preferindo manter a minha alimentação com pratos mais familiares. Mas respeito muito a cultura gastronômica daqui, que é muito rica.
Início repentino
Vitão começou a jogar aos 12 anos, pelas ruas de Ribeirão Preto (SP). Ele passou pelas categorias de base do Sertãozinho e também do Comercial, mas não disputou jogos oficiais de campeonatos de base. Aos 20 anos, parou com o esporte por dificuldades financeiras. Ele desistiu e passou a atuar somente por equipes amadoras da cidade.
A carreira profissional começou tardiamente, em 2020, quando foi convidado por um amigo, também jogador, para assistir um teste que ele faria no Batatais, clube do interior paulista. Chegando ao local do treino, ele foi convidado por um dos empresários a participar da peneira. O treinador gostou e ele foi contratado para a disputa da Série A3 de 2020.
– Foi minha primeira oportunidade. Jogamos a Série A3 com muita dificuldade financeira. Veio a pandemia e ficamos oito meses sem receber. Tirando isso, fizemos uma boa competição e conseguimos nos classificar para a fase final da competição e brigar pelo acesso com uma equipe tida para não cair. Foi assim que iniciei minha carreira – relembra.
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Vitor Hugo nos tempos de Batatais
Reprodução / Instagram @vitornascimento08
Após passagens por divisões de acesso do Paraná e Rio de Janeiro, o volante foi contratado pelo Comercial, onde pôde realizar seu primeiro sonho como atleta profissional.
– Chegar no Leão foi um sonho. É um time que eu sempre torci desde criança. Ia nas arquibancadas da Joia assistir aos jogos. Além de ter sido uma realização, foi uma excelente vitrine. Foram dois anos vestindo essas cores – afirma.
Vitor Hugo em campo no clássico Come-Fogo
Raul Ramos
Malas prontas
Mesmo sem conseguir o acesso da Série A3 para A2 do Paulista, Vitor Hugo foi um dos destaques do elenco e conseguiu ser negociado com o Plaza Colonia, que na época disputava a primeira divisão do futebol uruguaio. Até ali, a trajetória foi a mesma do também volante Leonai, que deixou o Leão rumo ao Plaza e depois se transferiu ao Barcelona de Guayaquil, do Equador.
O Comercial recebeu cerca de 25 mil dólares pelo empréstimo de Vitor, antes mesmo da venda ser concretizada. Foi neste período que o jogador disputou a fase preliminar da Copa Libertadores. Foi mais um sonho realizado.
– Foi uma venda boa também para o clube, porque com o dinheiro, foi montado o elenco que subiu da Série A3 para a A2 do Paulista. na final da Supercopa do Uruguai e eu fui muito bem nessa partida. Logo fui comprado. Ganhamos o primeiro jogo em casa, contra o The Strongest, e perdemos por 3 a 0 na altitude. É um campeonato que só via pela televisão. Então estar ali, ouvir o hino. É tudo mágico. São jogos com mais força e pegada – contou.
Vitor Hugo em jogo da Libertadores pelo Plaza Colonia
Reprodução/Instagram @vitornascimento08
Mesmo com um bom salário e na titularidade do clube, o camisa cinco sofreu para se adaptar ao país. A situação foi agravada quando foi vítima de racismo em uma partida do Campeonato Uruguaio.
Para eles infelizmente é normal. Até dentro de campo ouvimos várias vezes. Racismo é algo que ficou muito para trás e espero que eles possam evoluir. Embora eu tivesse um ótimo salário, eu não estava feliz. Queria voltar para o Brasil e na época retornei ao Comercial. Fiz um acordo com o Plaza, que tinha meus direitos até 2028. Entramos em consenso e eles ficaram com um crédito com o Comercial com um futuro jogador – contextualiza.
Volta polêmica
Após seis meses, Vitor Hugo voltou ao Brasil e foi recebido com glórias no Comercial. Ele fez parte do elenco que disputou a Copa Paulista de 2022. Mas em setembro, teve o contrato rescindido por entrar em campo em uma partida de futebol amador do time “Amigos do Lazinho”, que venceu o “Amigos do Sandrinho” por 2 a 1, em Ribeirão Preto.
O jogador disse que até hoje lamenta pelo que aconteceu na época, e disse que precisou administrar sua carreira para continuar jogando futebol profissionalmente.
– É uma ferida. Até hoje não sentamos para conversar, porque o Ademir Chiari (ex-presidente do Comercial) é um amigo, um pai pra mim. Voltei minha carreira para a estaca zero e tentei me colocar no mercado novamente. Depois dessa saída fui para o Duque de Caxias, depois para o Esportivo-RS e voltei para esse mercado de primeira divisão, com uma boa proposta financeira. Na época, fiz a pré-temporada e machuquei o joelho. Infelizmente perdi o campeonato inteiro – explica.
Após dar a volta por cima e conseguir estabilizar a carreira no futebol vietnamita, Vitor ainda sente o desejo de voltar a jogar no futebol brasileiro, e fazer as pazes com seu clube de coração.
– É difícil planejar o futuro. Pretendo ficar alguns anos aqui e depois voltar ao Brasil. Penso em vestir a camisa do Comercial e conquistar títulos para ficar marcado na história, assim como no Itabaiana. O futebol é muito dinâmico – finalizou.
* Sob supervisão de João Fagiolo