
A Arábia Saudita e o Catar foram escolhidos para mediar algumas das negociações de paz mais cruciais do mundo. A Arábia Saudita sediou negociações em fevereiro de 2025 com diplomatas dos EUA e da Rússia sobre um cessar-fogo na guerra na Ucrânia.
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Nesta terça-feira (11/3), autoridades dos Estados Unidos e da Ucrânia devem se reunir na Arábia Saudita para conversas que podem levar a um acordo de paz com a Rússia.
O país foi escolhido devido ao forte relacionamento que seu governante de fato, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, tem com o presidente Vladimir Putin da Rússia e o presidente dos EUA, Donald Trump.
O governo saudita diz que assumirá um papel ativo como mediador entre as partes em guerra.
O pequeno vizinho da Arábia Saudita, o Catar, também se tornou um pacificador de renome mundial nas últimas duas décadas.
Ele desempenhou o papel importante na intermediação do atual cessar-fogo em Gaza entre Israel e o Hamas, e ajudou a trazer muitas outras tréguas antes disso.
Então, por que esses dois vizinhos escolheram ser mediadores internacionais da paz? E quais os efeitos que isso tem na relação entre eles?
Por que a Arábia Saudita quer fazer acordos de paz?
A Arábia Saudita interveio na guerra civil do Iêmen com ataques aéreos e de artilharia contra rebeldes Houthis.
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A Arábia Saudita adotou um papel de mediadora da paz após vários anos caracterizados por uma abordagem mais agressiva.
Em 2015, o país interveio na guerra civil do Iêmen para apoiar o governo, conduzindo ataques aéreos e ataques de artilharia contra os rebeldes houthis.
Em 2017, o governo do Líbano acusou a Arábia Saudita de deter o primeiro-ministro libanês, Saad al-Hariri, para tentar forçá-lo a renunciar.
Em 2018, o jornalista Jamal Khashoggi - um crítico do governo saudita - foi assassinado por agentes do governo na embaixada da Arábia Saudita em Istambul.
A liderança inicial de Mohammed bin Salman trouxe confronto, afirmou Paul Salem, do Middle East Institute, em Washington DC, nos EUA.
No entanto, a liderança decidiu que pode fazer melhor mediando acordos de paz do que intensificando conflitos, disse ele à BBC.
A Arábia Saudita tem intermediado acordos de paz principalmente para melhorar a estabilidade no Oriente Médio, diz Elizabeth Dent, do Washington Institute, um think tank sediado nos EUA especializado em assuntos sobre o Oriente Médio.
Esta é uma parte importante de sua estratégia - acabar com sua dependência das exportações de petróleo e atrair negócios estrangeiros para ajudar a desenvolver novos setores econômicos, disse ela à BBC.
Qual sucesso a Arábia Saudita teve ao fechar acordos de paz?
A Arábia Saudita intermediou o Acordo de Taif em 1989 para pôr fim à guerra civil no Líbano.
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A história da Arábia Saudita como pacificadora no Oriente Médio remonta a várias décadas.
Em 1989, o país mediou as negociações entre as partes beligerantes do Líbano que levaram ao Acordo de Taif e a um cessar-fogo em 1990. Isso encerrou 15 anos de guerra civil no país.
Em 2007, a Arábia Saudita intermediou o Acordo de Meca, que encerrou as hostilidades entre os grupos palestinos Hamas e Fatah.
Recentemente, com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman como governante, a Arábia Saudita assumiu o papel de pacificadora novamente.
Desde 2022, a Arábia Saudita mantém negociações com os rebeldes houthis no Iêmen para tentar chegar a um cessar-fogo naquele país.
Também sedia conversas de longa duração entre os dois lados do conflito do Sudão - os governantes militares do país, as Forças Armadas Sudanesas e o grupo paramilitar rebelde, as Forças de Apoio Rápido.
A Arábia Saudita também supervisionou um acordo em 2022 entre a Rússia e a Ucrânia, no qual mais de 250 prisioneiros de guerra capturados no conflito entre os dois países foram devolvidos aos seus respectivos lados.
Quais acordos de paz o Catar promoveu?
O Catar foi um mediador-chave em uma equipe de nações (junto com o Egito e os EUA) que conseguiu intermediar um cessar-fogo entre Israel e o Hamas em janeiro de 2025.
Em 2020, o Catar mediou um acordo de paz entre o Talibã e os EUA para encerrar a guerra de 18 anos no Afeganistão, com os EUA e seus aliados retirando suas forças e o Talibã assumindo o controle do país.
Em 2010, o país também intermediou um cessar-fogo entre o governo e os rebeldes houthis no Iêmen — o acordo, posteriormente, desmoronou.
O Catar também intermediou acordos de paz na África. Um deles foi o cessar-fogo de 2022 entre o governo do Chade e dezenas de grupos de oposição.
Outro foi o acordo de paz de 2010 entre o governo do Sudão e grupos armados na província ocidental de Darfur.
Em 2008, o governo do Catar mediou um acordo entre facções rivais no Líbano, quando as hostilidades entre elas ameaçaram explodir em uma nova guerra civil.
Por que o Catar quer ser um mediador da paz?
O Catar começou a exercer um papel de destaque como mediador da paz sob Hamad bin Khalifa al-Thani, que se tornou o emir (comandante militar) da nação em 1995 (e ficou no poder até 2013).
Uma razão fundamental para isso é que o Catar queria desenvolver uma reserva de gás no Golfo chamada North Dome/South Pars, que havia sido descoberta em 1990.
Como o campo se espalhava pelas águas territoriais do Catar e do Irã, o Catar precisava cooperar com o Irã para fazer isso - embora o Irã fosse o adversário da Arábia Saudita na época, afirma HA Hellyer, do Royal United Services Institute em Londres, Reino Unido.
Quando o Catar descobriu seu campo de gás, percebeu que precisava abrir um caminho para si mesmo, disse ele à BBC.
O Catar escolheu desempenhar o papel de mediador da paz, explica o especialista, porque ter relacionamentos positivos generalizados com muitas nações estabelece uma rede de nações que podem ajudar e apoiar você.
O papel de mediador da paz do Catar está consagrado na Constituição adotada em 2004.
O Catar escolheu a intermediação internacional como uma de suas marcas nacionais, afirma Salem.
Como a Arábia Saudita e o Catar diferem como mediadores de paz?
O Catar é frequentemente escolhido como o país para intermediar acordos de paz porque mantém vínculos com grupos com os quais a Arábia Saudita e outros não lidam.
O Catar não tem a mesma antipatia profunda por grupos islâmicos - como a Irmandade Muçulmana, o Hamas e o Talibã - como os sauditas têm, afirma Salem.
Ele diz que os vínculos que o Catar havia fomentado com o Talibã o ajudaram a ser uma ponte entre ele e os EUA, e os vínculos que ele havia fomentado com o Hamas e Israel o ajudaram a intermediar o recente cessar-fogo entre esses dois lados.
A Arábia Saudita lida com casos e jogadores ortodoxos, o Catar com os não ortodoxos, afirma Elizabeth Dent.
No entanto, o Catar antagonizou a Arábia Saudita ao apoiar grupos como a Irmandade Muçulmana, que o governo saudita vê como uma ameaça ao seu governo.
Na Primavera Árabe [de 2010 e 2011], o Catar deu apoio irrestrito a grupos de oposição em lugares como Síria e Líbia, afirma Dent. Ele deixou sua posição muito clara.
Isso levou à fenda do Golfo de 2017, na qual a Arábia Saudita e outros países do Oriente Médio cortaram todos os laços com o Catar.
Após essa ruptura, o Catar não se arriscou tanto em suas negociações com grupos extremistas sem consultar seus vizinhos primeiro, explica Dent. Agora, é um país mais neutro.
E o Catar e a Arábia Saudita não entram em conflito sobre quem vai intermediar um acordo de paz, diz Hellyer.
O Catar não quer competir com a Arábia Saudita hoje em dia, e a Arábia Saudita não quer assumir nenhum dos casos do Catar, diz ele.
Infelizmente, ainda há conflitos suficientes no mundo para mantê-los ocupados.