Presidente de clube da Série B no início dos anos 2000, Sestário tem história da carreira atrelada à evolução do Direito Esportivo no futebol brasileiro e é figura marcante nos tribunais Em 2013, STJD se preparava para julgar irregularidades de Portuguesa e Flamengo no Caso Heverton
No futebol brasileiro, são poucas as figuras que transitam entre todos as classes — jogadores, treinadores, dirigentes ou árbitros — com o mesmo prestígio e acesso do advogado Osvaldo Sestário. Há 15 anos circulando pelos corredores e plenários de tribunais esportivos por todo o Brasil, ele construiu uma valiosa rede de contatos.
Com isso, coleciona casos, conversas e até conselhos que deu a inúmeras figuras, sejam elas dos holofotes ou dos bastidores do mundo da bola. Em todo esse tempo de atuação, participando de casos emblemáticos, se orgulha de ter contribuído para diversas mudanças de regulamentos e inúmeras jurisprudências.
Lembra do caso do Héverton, da Portuguesa? Eu estava lá, diz Sestário.
Advogado Osvaldo Sestário defende clubes pernambucanos no TJD-PE
Alexandre Barbosa
E quem não se lembra do caso Héverton, que envolveu Flamengo, Portuguesa e Fluminense, em 2013, e levou torcedores para a frente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)? Aquele momento do futebol brasileiro rendeu investigação do Ministério Público, teorias da conspiração e até ameaças contra a família de Sestário.
— Mandaram mensagem dizendo que sabiam onde minhas filhas moravam. Na internet, algumas pessoas escreveram ameaças. Eu pus a polícia para investigar isso, mas depois parou — lembra o advogado.
Histórias para contar não faltam a Sestário. Inclusive a de como ele foi parar nos corredores dos tribunais esportivos. Uma trajetória que inclui uma passagem como presidente de clube da Série B, a decisão de abrir mão do próprio escritório especializado em Direito Civil e a mudança para o Rio de Janeiro, onde praticamente reconstruiu a carreira jurídica, num novo ramo.
Eu já tive presidente de tribunal que me ligava pedindo a minha opinião sobre certos casos (em que ele não tinha nenhuma ligação ou atuação). Perguntava: O que você acha? Você acha que eu devo conceder, não devo conceder, tal?
Em passagem pelo Recife, onde pessoalmente defendeu um grupo de clubes da Série A3 do Pernambucano, que foram punidos com a perda de pontos pela escalação irregular de jogadores, Sestário conversou com a reportagem do ge.
Em cerca de 1h30 de entrevista, comentou sobre casos marcantes do passado, como o já citado da Portuguesa, e o de racismo do atacante Celsinho, do Londrina, em que defendeu a parte contrária, o Brusque, condenado com a perda de pontos.
Osvaldo Sestário advogado
Janailton Falcão/Manaus FC
Como começou sua trajetória no futebol?
— Eu fui advogado do Londrina durante sete anos, de 1996 até 2021, e depois me tornei presidente, entre 2002 e 2003. Acabou sendo uma coisa natural, entre as lideranças do clube. Na época, eles disseram que queriam uma pessoa conciliadora, e o meu nome foi (sugerido) porque eu tenho esse perfil, sabe? Aceitei, fui candidato único e acabei eleito.
Como foi essa experiência como presidente de clube?
— Na época, o time estava na Série B do Brasileiro, mas caíam seis clubes porque estavam ajustando para chegar nos 20 times. Eu mantive o time na Série B por dois anos. Fizemos bons campeonatos estaduais, chegando até à semifinal com o Coritiba. O Paranaense é um campeonato difícil, principalmente enfrentando as equipes da capital. Na época, o Paraná estava forte também. Então, enfrentávamos Athletico, Paraná e Coritiba, e o Londrina surgia como a quarta força. O Londrina sempre foi o maior clube do interior, com mais títulos e participações no Campeonato Brasileiro.
— Considero que tive algum êxito. Só manter o time na Série B já era uma coisa. Porque naquela época, em 2003, o formato era semelhante ao da Série C de hoje. Você jogava um turno único e aí depois classificavam oito times. Ficamos em nono lugar e não nos classificamos por pouco.
Mas o senhor não largou por completo a advocacia na época?
— Quando eu estava presidente ainda, fazia algumas defesas na Liga de Futebol Amador de Londrina, através de alguns amigos que me contratavam. Até cheguei a ser procurador geral da Liga depois, mas eu fiquei bem pouco tempo. Era muita coisa pra fazer, mas foi uma experiência boa, porque, nesse caso, era eu quem fazia as denúncias.
No meu segundo ano como presidente, enfrentei um caso de doping de um jogador emprestado pelo Santos, que tomou um medicamento por causa de uma endoscopia e acabou sendo acusado. Em vez de contratar um advogado, eu mesmo fui defendê-lo no Rio de Janeiro, no STJD. Foi meu primeiro processo lá. Fiz essa defesa pra ele. E aí acabei pegando gosto pela coisa.
E o que foi que deu nesse processo?
— Primeiro ele pegou seis meses. Depois a gente conseguiu absolver ele.
Com o fim do mandato na presidência, o que aconteceu? Não tentou permanecer?
— Quando terminei meu mandato, eu iria concorrer à reeleição, mas abri mão em favor de Carlos Alberto Garcia, que era um ídolo lá do Londrina. Infelizmente, o clube caiu naquele ano e ele renunciou depois de seis meses. Até deprimido ficou. É difícil.
— Ali em 2003, a Série B estava tentando se organizar. E a gente tinha reuniões. Naquela época tinha o Clube dos Treze e os clubes da Série B estavam formando uma Liga. Como advogado, ainda terminando meu mandato no Londrina, eu não tinha muito tempo pra ir nessas reuniões. Então eu comecei a mandar o meu diretor de marketing, que acabou virando o primeiro presidente dessa liga, que se chamou Futebol Brasil Associados (FBA). Era o Peter Silva.
Eu lembro que o senhor começou a atuar mais forte nessa época da FBA, não foi?
— Em 2004, a FBA começou a funcionar no Rio. Eles tiveram um problema com uma ação trabalhista e pediram o meu auxílio. Eu resolvi o problema rapidinho e então eles me fizeram uma proposta para ser o jurídico da FBA. Eu falei que aceitava, mas se pudesse continuar em Londrina, porque eu ainda tinha tinha um escritório lá.
— Começou assim, só que daí as demandas da FBA começaram a ficar muito grandes. E aos poucos eu fui fechando o meu escritório em Londrina e falei: ‘vou me transferir pro Rio’. E assim foi o começo de tudo. Naquela época, esses julgamentos no STJD não eram tão comuns como hoje.
Como era?
— Naquela época, a gente que era de fora, por exemplo, quando teve esse julgamento do doping que eu te falei, você ligava no Rio, existiam quatro ou cinco advogados que faziam STJD. Quem eram eles? Advogados de América, Vasco, Fluminense, Flamengo, Vasco e Botafogo...
— Você ligava pra eles fazerem as defesas do seu lado. Os maiores clubes, que tinham condições, mandavam advogado pro Rio. Só que é o seguinte: imagina toda semana você mandar um advogado pro Rio. Começou a ter muitos julgamentos, porque mudou o calendário e diminuíram os estaduais, com os nacionais ficando de abril a dezembro. Então a demanda para os clubes de fora do Rio ficou muito grande.
— Eu propus para a FBA: ‘Vocês me dão dois estagiários e a gente faz as defesas dos clubes’. Todo mundo topou, achou a ideia maravilhosa, mas aí perguntaram: ‘E quando for um clube contra o outro?’
— Aí eu falei: Os dois jurídicos sentam, se resolvem entre eles e fazem a defesa. O máximo que eu posso fazer é tirar a cópia do processo, que naquela época ainda era cópia, e mandar pra cada um se virar. Deu super certo, a gente começou a fazer e o custo pros clubes diminuiu muito.
Com a mudança do calendário, aumentaram ainda mais os casos no STJD, não foi?
Posteriormente deu um boom nessa advocacia. Porque aí começou Série C, Série D. E aí você imagina uma Série D que chega a ter mais de 80 clubes. Tinha julgamento que eu fazia a pauta inteira. Umas 15 pautas por dia. Isso foi me dando muita experiência e amizade com os próprios membros do tribunal. Porque você cria ali um vínculo, por estar todo dia fazendo.
Osvaldo Sestário defende o CRB no STJD
Daniela Lameira /STJD
Então, a história do senhor acaba se confundindo com a evolução do Direito Esportivo aqui no Brasil, no que se diz respeito ao futebol?
— Sim, sim. No futebol brasileiro. Eu pegava dois, três processos de cada clube por semana. Era um número muito grande. E tudo era embrionário nessa época, vou te dar alguns exemplos aqui. O caso da Portuguesa. Eu estava lá.
[Se refere ao caso do rebaixamento da Portuguesa no Campeonato Brasileiro de 2013, pelo clube ter escalado o jogador Héverton de forma irregular na última rodada, resultando na perda de quatro pontos por decisão do STJD. Foi a última participação do clube paulista na Série A em sua história].
— A Portuguesa estava livre do rebaixamento pela pontuação dela, e então estourou o negócio do Héverton e também do Flamengo, junto. O Fluminense, que tinha sido rebaixado, entrou como terceiro interessado.
[O Flamengo cometeu uma infração semelhante ao escalar o lateral André Santos de forma irregular na última rodada do campeonato. O jogador estava suspenso por uma expulsão na Copa do Brasil, e o clube carioca também foi punido pelo STJD com a perda de quatro pontos. Como o Flamengo já estava fora da zona de rebaixamento, a punição não afetou sua permanência na Série A].
Torcedores do Fluminense foram até a frente ao prédio onde se realizou o julgamento, no Centro do Rio
Thales Soares
— Houve uma comoção muito grande na época. A torcida da Portuguesa se sentiu prejudicada e, em um determinado momento, o clube tentou jogar a culpa pra cima de mim, alegando que não foi comunicado. Mas eu comprovei que houve a comunicação, por isso que eu ganhei uma ação de reparação contra eles posteriormente.
[Sestário defendia a Lusa, que alegou não ter sido informada que o Héverton tinha sido suspenso em julgamento ocorrido dois dias antes da partida].
— Eu advogava para a Portuguesa há mais de 10 anos e tinha uma comunicação rotineira com eles. Naquela época, o Whatsapp não existia, era ligação ou SMS, e houve ligações para eles informando da suspensão, o que ficou comprovado. Foi um período bem conturbado, mas tive o apoio do STJD, dos colegas advogados, tanto que acabou nessa ação de reparação de danos. Foi um momento difícil, mas de grande notoriedade.
Esse foi um caso que marcou sua carreira?
A princípio, marcou sim. Como teve notoriedade, marca, mas o grande problema desse caso é que houve uma acusação séria, e eu comprovei que eles estavam errados. Até hoje tem repercussão. Toda vez que faz aniversário do caso, alguém solta uma matéria e volta se discutir quem deveria ter sido rebaixado, Flamengo, Fluminense ou Portuguesa.
E o que a Justiça Desportiva determinou, na época, foi correto?
— A Portuguesa tinha que perder pontos, e isso é inegável. Ela escalou o jogador de forma irregular. Houve inclusive uma investigação do Ministério Público, que também não apontou nenhuma irregularidade. [Nesse caso, sobre a suspeita de que alguém da Portuguesa ou ligado ao time teria cometido o erro em troca de dinheiro para fazer com que o clube fosse rebaixado].
— Após esse episódio, o regulamento geral de competições mudou. Foi um avanço do código em que tive participação. Se o jogador foi expulso e o time continua na competição, ele cumpre. Se foi eliminado, a automática morre e pode jogar em outra competição sem ser penalizado.
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Na vida pessoal, como esse caso atingiu o senhor?
— Minhas filhas que moravam em Londrina foram ameaçadas. Mandaram mensagem dizendo que sabiam onde elas moravam. Na internet, algumas pessoas escreveram ameaças. Eu pus a polícia para investigar isso, mas depois parou.
O senhor considera que a repercussão em torno do caso acabou sendo positiva ou negativa?
— Foi um caso de repercussão nacional, mas acabou sendo positiva, pelo meu modo de atuar, porque eu provei que tinha avisado. Foi um episódio triste, mas que foi positivo profissionalmente. A história foi evoluindo e meu nome foi sendo divulgado para muitos clubes pelo respeito que consegui. Outro exemplo, no ano passado, todas as defesas do Abel Ferreira, do Palmeiras, fui eu que fiz.
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Imagino que não tenha sido fácil…
— É muito difícil, complicado ir lá e defender. Porque quando o jogador ou o treinador está em campo, ele não vai ficar medindo palavras. Quando você conversa com o Abel, como eu conversava para preparar ele, você vê que ele é um cara super inteligente, um cara preparado e dócil, tranquilo. Só que, dentro de campo, ele se transforma. Ele quer ganhar. Dessa mesma maneira, a gente já viu muitos exemplos. Muricy (Ramalho) era assim. Era terrível.
— Depois falava coisas para a imprensa também. Só que, no caso do Abel, eu vejo que existe um certo preconceito por ele ser português. Eu noto isso. O que se tem de paciência com treinadores brasileiros não se tem com ele. Mas a gente sempre conseguiu bons resultados, e por quê? Por demonstrar justamente essa pessoa que ele é. E outra coisa, o bem que ele fez, na minha visão, para o futebol brasileiro.
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Marcos Ribolli
Mas o senhor percebe que depois dessas conversas e julgamentos ele foi tomando mais cuidado, se moldando?
— Com certeza, ele foi se moldando. Esse ano, acho que ele só teve uma expulsão até agora (se refere a 2024). E porque eles (treinadores estrangeiros) sofrem muito, assim? Na Europa, em outros países, não existe STJD. É uma comissão que se reúne e dá a punição. Não tem julgamento. E aqui, quando eles passam por esse julgamento, eles se sentem até meio assustados. É como se tivessem cometido um crime.
Se fosse para comparar, nesse caso de defender jogadores, clubes, técnicos nos tribunais esportivos. Seria mais próximo de qual área do Direito?
— Penal. Porque você tem o acusado, que muitas vezes é acuado ali pela procuradoria, né? Eu fiz (a defesa) uma vez de uma cusparada. E eu brinco com os jogadores: é melhor você dar um soco do que dar uma cusparada. Porque a cusparada, (a pena) começa com oito jogos de suspensão. E o soco começa com quatro. Então, às vezes, é melhor você dar um soco do que uma cusparada. Porque atinge a honra. Aí realmente é um negócio feio.
— Eu tive uma vez uma menina do feminino que cuspiu no árbitro. Naquela semana que ela ia ser julgada, tinha sido convocada pra Seleção Brasileira. Era a primeira dela, mas foi desconvocada por causa da punição que pegou.
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Ela chega no árbitro, o árbitro fala alguma coisa pra ela, dá o cartão, ela fala alguma coisa pra ele, ela puxa e dá aquela escarrada, sabe? Na cara dele. Pô, aí não tinha nem defesa, né? Como é que você vai defender um negócio desse… A gente tentou amenizar, foi pro lado que é um ato impensado, pra tentar diminuir.
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— Então isso também é próximo do penal. Tem a confissão que você também pode ganhar um benefício. Tem a primariedade que também conta como benefício. Hoje tem até a transação disciplinar. Muitas vezes tem casos aí que é complicado, mas os clubes vão lá e pagam (uma transação). É um acordo. Então é próximo da transação penal também.
Quando tinha o seu escritório em Londrina, trabalhava com quais áreas?
— Quando eu deixei de advogar em Londrina pra vir me dedicar ao direito esportivo, todo mundo falou: você é louco, você formou uma carteira de clientes, tem tantos anos de advocacia... Eu tinha seis advogados que trabalhavam comigo. Eu trabalhava na área civil e trabalhista.
— Só que, quando eu peguei o Londrina, eu passei a fazer tudo, era como um clínico geral. Isso me deu uma vivência muito grande.
Uma vez uns alunos perguntaram: onde é que o senhor fez a pós-graduação? Eu falei, na vida, né? Hoje isso até é meio difícil de acontecer, porque hoje o direito tudo é específico. Tive essa oportunidade de trabalhar em várias áreas e isso dá uma cancha muito grande. Eu fazia criminal, fazia tudo.
E hoje tem uma equipe de quantas pessoas que trabalham com o senhor?
— Hoje eu trabalho com mais cinco advogados. E aí a gente atende a parte trabalhista para alguns clubes, a parte cível, também pega CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas), Fifa e STJD. E doping também, que é um tribunal à parte hoje.
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Ou seja, é mais um sinal dessa evolução, né? Não é somente STJD.
— Sim, sim. Porque antes você tinha só o STJD e aí hoje tem essa câmara de disputa, para dívidas e transferências. Para você ter uma ideia, a primeira audiência da CNRD, que na época nem era a CNRD, foi eu que fiz. Eu fiz pelo Santa Cruz, só não vou lembrar o caso, mas era uma dívida de um jogador. E se tornou muito comum, tanto que hoje a gente tem um grande número de processos na CNRD. Acho que uns 40% do movimento hoje é por ações na CNRD. A CNRD começou com duas pessoas e hoje só de secretária tem umas nove lá. É um volume grande.
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E hoje em dia é o melhor caminho para resolver essas questões?
— Pra quem quer receber, sim. Pra quem quer pagar, muitas vezes não, porque é mais célebre. Se você pega uma dívida com um clube hoje e executa na Justiça Comum, o que que vai acontecer? Todos aqueles entraves da Justiça Comum. Ah, vou penhorar bem. Você não acha bem pra penhorar.
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— Na CNRD, se não tem bem para penhorar, bloqueia o registro. É o que tem acontecido com o mundo até agora, o transfer ban. Se você bloqueia o registro de jogador, você inviabiliza o clube, né? E então eles correm para pagar.
Tem como eleger o caso mais difícil em que o senhor já trabalhou?
— Foi o episódio do Celsinho de racismo, que na época estava no Londrina. E eu defendi o Brusque, que perdeu três pontos em primeira instância. O Londrina rivalizava com ele, porque os dois estavam brigando para não cair. Os três pontos iam fazer muita diferença. E depois, no Pleno, a gente conseguiu reverter isso. Foi um dos processos mais difíceis, por ser novidade essa questão do racismo, nas punições pesadas.
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— Esse caso foi complicado porque era uma coisa nova. Hoje o código mudou e essa questão do racismo está bem mais em voga. Quando eu comecei no futebol, eu que fui torcedor de arquibancada, se chamava de coisas que não cabem mais hoje.
— A punição ao dirigente na época acabou mudando o regulamento geral de competições depois. A partir dali, se o dirigente fizer isso, o clube perde três pontos. Então, na minha defesa, ainda não era considerado esse tipo de punição, e a gente conseguiu reverter.
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Quando envolve esse tipo de assunto... Como é que vai para o julgamento? Como é que se prepara para um caso desse tipo?
— A gente faz um estudo. Lê tudo o que tem antes na mídia. Aí a gente busca também o histórico do jogador. Quem é o jogador. No caso do Celsinho... Eu sou de Londrina. Então eu conheço toda a passagem do Celsinho por Londrina. Eu sei que ele tinha lá algumas coisas... o Londrina chegou a dispensar ele várias vezes por coisas que ele aprontava fora de campo e tal. Então, você se prepara com várias coisas, de tudo que acontece na vida do jogador, é claro. Às vezes, você nem usa isso, sabe? É mais pra estar preparado.
— Faz parte do Direito argumentar. Quando surgiu a questão do cartão vermelho pelo ‘vai tomar no **’, que a gente fazia muita defesa. Aí a gente falava que não era uma ofensa à honra. Que era um palavreado... É feio? É feio. Mas que era um jargão do futebol. Às vezes, no ‘tomar no **’, você tá só esbravejando. Não é ‘vai tomar no seu **’.
— Você estuda o árbitro também. E eu já fui advogado de árbitro. Trabalhei para o Sindicato dos Árbitros do Rio de Janeiro por um bom tempo. Eu tenho amigos árbitros até hoje, como o Marcelo de Lima Henrique. É meu amigão, já defendi muito ele.
— Lembra aquele episódio do Botafogo e Flamengo, do Chororô? Eu defendi o árbitro daquele jogo. Ele expulsou alguns jogadores do Botafogo e eu defendi ele no julgamento. Outro. Teve aquele árbitro que expulsou o Seedorf, lembra? Era um árbitro novo. E massacraram ele por ter expulsado o Seedorf.
[O árbitro era o carioca Philip Georg Bennett. Naquele jogo, ele pediu que Seedorf saísse no lado oposto do campo, mas o meia do Botafogo não quis, levando o cartão amarelo. Depois de advertido, insistiu em sair pelo lado contrário ao indicado pelo juiz, recebendo outro amarelo - e o vermelho, consequentemente. Na súmula, porém, ele explicou que expulsou o holandês por ter dito que ele estava de palhaçada.]
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E ele foi acusado de quê?
— O Botafogo entrou contra ele, alegando que ele teria tido um excesso de autoridade. Você pega um árbitro novo, com um jogador muito conhecido, com carreira internacional, que fora de campo era tido como um gentleman. Aí você estuda tudo. Vê como é que o cara foi na carreira profissional dele, como é que ele agia e tal. Eu peguei algumas entrevistas do Seedorf sendo meio deselegante com repórteres. Ele não é tão assim gentleman. Aí vai pegando essas peculiaridades aqui e dali. Então você se prepara nesse sentido.
É possível fazer amizades no mundo do futebol hoje em dia?
— Dá. Eu posso dizer pra você que o nível dos dirigentes hoje melhorou muito. Porque antigamente, quando eu comecei, quando eu fui dirigente, era aquela coisa meio amadora.
— Uma vez me perguntaram como eu conseguia conciliar Náutico e Santa Cruz, clubes rivais, sabe? E eu vou te dar um exemplo. Até pouco tempo atrás, era advogado do Ceará e do Fortaleza. Aí nessa gestão agora eu deixei de ser do Ceará porque ele (dirigente) pediu pra eu escolher.
— O atual diretor não aceitou. Eu falei, olha, eu sempre prezo pelo respeito e pelo profissionalismo. Enquanto tiver respeito e profissionalismo, eu não vou puxar o lado pra um ou para o outro. E é assim que você vai conquistando o respeito de todos, defendendo do clube grande ao clube pequeno.
— É uma carreira de muito aprendizado. Hoje, com certeza, a gente tem o respeito de todos. Hoje, o STJD mudou quase toda a composição e continuo com o respeito e a amizade de todos. Quando o pessoal vem falar comigo, eu vejo o respeito deles comigo, sabe, um tratamento diferente. Como ontem mesmo, todo mundo que chegava, era um cumprimento especial. E aí você vê que com os outros advogados, os mais novos, não tem isso. É uma satisfação, eu respeito bastante, e também não abuso disso.
— Porque eu sei que tem que ter o respeito de ambos os lados. Eu já tive presidente de tribunal que me ligava, pedindo a minha opinião sobre certos casos (em que Sestário não tinha nenhuma ligação ou atuação), perguntava: O que você acha? Você acha que eu devo conceder, não devo conceder, tal? Acabo sendo referência.
Sobre esses casos recentes envolvendo questão de apostas. O senhor chegou a lidar com algum desses casos de jogadores que foram condenados?
— Não, não cheguei.
Qual sua opinião sobre o assunto?
— Eu acho que, aqui no Brasil, você tira o sofá da sala, como diz aquele ditado. Muitas vezes, você não combate o mal principal, que são justamente as possibilidades de apostas. Eu acho que primeiro você tem que tentar combater o mal. Não foram todos, é claro que tinha um jogador que ganhava bem ali, como o Alef Manga, mas tem jogador ali que ganhava uma mixaria e o cara, de repente, que ganhava R$ 3 mil, R$ 4 mil, recebe uma proposta de R$ 50 mil. Então é um negócio complicado.
— Eu acho que primeiro você tem que combater o mal principal, que são as apostas, mas isso viralizou de um jeito que eu acho que não tem volta também. Sou a favor de uma regulamentação e sou contra, por exemplo, de alijar o cara do futebol, igual alguns foram banidos. Dar uma punição severa tudo bem, mas banir daquilo que o cara vive... Jogador às vezes só sabe fazer aquilo, então é complicado.