Panelas de barro produzidas por mulheres indígenas da Comunidade Raposa I, no município de Normandia, receberam selo de Indicação Geográfica do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que reconhece a história e procedência dos produtos. Panelas de barro produzidas por mulheres Macuxi recebem selo de referência à Terra Indígena Raposa Serra do Sol
Ailton Alves/Rede Amazônica
Com uma forma de produção artesanal, passada de geração em geração e que perpetua uma tradição secular, as panelas de barro produzidas por mulheres do povo Macuxi na comunidade Raposa I, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ganharam um selo de Identificação Geográfica (IG) que atesta a qualidade e a autenticidade do produto.
🥘 A comunidade é a primeira em Roraima e a segunda localizada em terras indígenas no Brasil a ter um projeto com a certificação, que é concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Costume ensinado desde 1870, a produção das panelas de barro por mulheres Macuxi é uma atividade ancestral que representa orgulho para a comunidade e garante fonte de renda para os indígenas que vivem na região.
Paneleiras do povo Macuxi recebem certificado com selo que reconhece produção das panelas de barro.
Ailton Alves/Rede Amazônica.
📍 A identificação geográfica é usada para identificar produtos ou serviços que tenham uma origem geográfica específica. Ela destaca a procedência do produto e é concedida a um local conhecido e reconhecido a nível nacional e também internacional como um centro de fabricação.
No caso das “Panelas da Raposa”, o trabalho feito por mulheres indígenas despertam o interesse daqueles que visitam a comunidade, que realiza o etnoturismo e recebe visitantes de todo o mundo, além de chamar a atenção de empresas de outros estados e até países. As panelas já foram vendidas para Boa Vista, Normandia, Amazonas, São Paulo e até a Guatemala.
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Panelas de barro produzidas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Ailton Alves/Divulgação
O selo foi concedido no dia 13 de agosto e entregue a comunidade durante o tradicional Festejo das Panelas de Barro, dedicado a celebração do artesanato, realizado entre os dias 8 e 10 de novembro. Há dez anos a comunidade Raposa I, no município de Normandia, ao Nordeste do estado, é palco do evento.
Os moradores celebram a tradição com indígenas de comunidades vizinhas, que são convidados para os três dias de festa, que ocorre tradicionalmente em novembro. Neste ano, o selo trouxe ainda mais significado para a festa.
“O foco é agregar valores para o nosso trabalho. Isso já é diferente de outras comunidades. É um selo que se trata da procedência do lugar onde está sendo feita a panela de barro, afirma Enoque Raposo, coordenador-geral do evento, que acredita que com o selo, as panelas podem ganhar o mundo.
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Tradição secular
Não há uma data definida de quem iniciou primeiro a tradição, mas os indígenas garantem que o trabalho começou há muito tempo, ainda no século 19, quando os seus ancestrais viviam no arredores das serras da terra indígena, de onde o barro é retirado. Hoje em dia, eles ainda vivem nas regiões das serras, porém em comunidade mais afastadas dos pés das montanhas.
Claucimar da Silva Raposo, líder das ceramistas na Raposa Serra do Sol.
Ailton Alves/Rede Amazônica
Líder do grupo de paneleiras, que formam uma associação dentro da comunidade indígena para compartilhar as experiências e conhecimento, a indígena Macuxi Claucimar da Silva Raposo explica que a produção das panelas de barro é um trabalho demorado. Ela herdou a tradição de mulheres da família e exerce o trabalho artesanal com o barro há mais de 15 anos.
A produção começa com a extração da terra, que é retirada de uma área de serras. A busca pela matéria prima exige uma caminhada de quatro horas.
“A gente tira [o barro] e quando ele está molhado a gente estende e coloca no sol. Quando estiver bem sequinho, a gente peneira. A goma dele vira a massa para a gente fazer a panela, explica a líder indígena.
Ceramistas Claucimar Raposo e Lilibete da Silva (da esquerda para a direita) durante o processo de peneirar o barro.
Yara Ramalho/g1 RR
Com a goma e o barro em pó, as ceramistas iniciam a modelagem das panelas. Inicialmente, os dois materiais são misturados e ao atingirem uma determinada homogeneidade, a massa descansa por duas horas ou, no máximo, uma noite.
🖌️ 🏺 Depois, a massa é modelada a mão e passa por um aperfeiçoamento de até dois dias, dependendo da data de entrega do produto. Durante o processo, a peça também é polida com uma pedra de jaspe e aquecida em um forno a lenha, por 20 ou 30 minutos.
Aquecida, a panela é coberta por pedaços de caimbé, uma árvore encontrada no lavrado roraimense, e queimada. Após a queima, as panelas passam por um processo de “cura” onde os indígenas cozinham arroz ou tucupi, molho tradicional da região Norte, extraído da mandioca brava, dentro da peça, que filtra o óleo.
Mulheres do povo Macuxi usam urucum benzido para pedir permissão da Vovó Barro.
Yara Ramalho/g1 RR
Mas o trabalho das ceramistas envolve muito mais do que esforço físico e técnicas, ele depende, principalmente, da ligação das indígenas com a ancestralidade. Mentora de toda essa tradição, a entidade indígena Ko Ko Non, que em macuxi quer dizer “Vovó Barro”, é sempre consultada.
“Pedimos autorização da vovó. A gente leva peixe assado, às vezes a gente leva tabaco. Tem que conversar com ela, senão ela zanga, explica Claucimar.
Para não deixá-la assim, quem manipula a argila que se transforma em panela seguem regras como: as mulheres não podem tocar no barro durante o período menstrual, isso para não adoecer ou não correr o risco do artesanato desandar. Estar feliz também é um pré-requisito para participar da produção.
Selo de referência
O processo de certificação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) começou em maio de 2021, com o apoio e orientação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Roraima.
O processo envolveu dez etapas: sensibilização das ceramistas, formação de um comitê gestor, capacitação do comitê, adequação de conselho regulador, criação de intensidade visual, dossiê histórico, delimitação geográfica, elaboração de um Caderno de Especificações Técnicas (CET), simulação do processo e o protocolo e acompanhamento.
É uma certificação de nível internacional. Ela é muito importante e tem valor nacionalmente também. As panelas da Raposa já tem uma notoriedade muito grande. Mas, a partir dessa certificação, ela vai se tornar ainda mais importante, especialmente, quando se fala do etnoturismo nas comunidades, explica Itamira Soares, gerente da unidade de gestão agroambiental do Sebrae.
Povo Macuxi: cultura da produção de panela de barro feita por mulheres deve ganhar selo
Além do artesanato, as famílias da comunidade Raposa I tem ligação próxima com a agricultura familiar. Os indígenas cultivam diversas culturas para consumo interno e comercialização.
O produtor rural Eduardo Galvão, por exemplo, trabalha com a fruticultura — um ramo da agricultura que se dedica especificamente às plantações de frutas.
“É um projeto de agricultura familiar. A gente colhe e vende aqui mesmo. Conforme a gente for evoluindo, vamos procurar um comércio maior, disse.
Através do intercâmbio entre diferentes regiões e realidades, os indígenas esperam que novos projetos evoluam e possam ser reconhecidos, tal qual as panelas feitas pelas mulheres do povo Macuxi.
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