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O choro de alívio e a consagração de Parreira: os 40 anos do título do Fluminense no Brasileiro de 84

globoesporte.com - com informações do G1

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Com informações do G1

27/05/2024 por Redação

Conquista do Tricolor completa 40 anos nesta segunda-feira. Campanha teve troca de técnicos, semifinal histórica contra o Corinthians e gol de Romerito na decisão contra o Vasco 27 de maio de 1984. No gramado do Maracanã, Romualdo Arppi Filho apita o fim de um empate sem gols entre Fluminense e Vasco, que garante ao Tricolor o título do Campeonato Brasileiro. Nas arquibancadas e entre os jogadores, o clima é de festa.
Mas há um personagem central da conquista que corre para o vestiário, longe dos olhares curiosos, para chorar em paz. Ele respira fundo, desaba um pouco mais e enfim se permite sentir um pouco de alívio. Seu nome é Carlos Alberto Parreira.
— Até hoje eu me arrependo. Eu deveria ter ido para o campo comemorar. Mas a pressão era tão grande, antes, durante o jogo, tem que ganhar. Aquilo foi um desabafo. Aquela ida para o vestiário foi um desabafo, nada mais que isso. Me arrependo. Deveria ter ido para o campo comemorar com os jogadores — disse o ex-técnico, em entrevista ao ge.
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Há 40 anos, o histórico técnico do Fluminense - que sempre sonhou em ser, na verdade, um preparador físico - viveu seu primeiro grande ato com o clube que aprendeu a amar, com a conquista da Copa Brasil.
— Quando criança, eu era vascaíno. Minha família é toda de origem portuguesa, mas o conceito de torcedor se consolidou com o Fluminense. Eu fui trabalhar no Fluminense em 1970, depois da Copa do Mundo. Aí ficou uma simpatia, uma coisa natural, né? Não virei tricolor, faz parte da engrenagem de você trabalhar no futebol profissional — completou Parreira.
— Não sei se é muita pretensão dizer (que faço parte da) história do Fluminense. Ajudei a conquistar títulos, tivemos passagens muito positivas nas vezes em que a gente esteve lá. O Fluminense ajudou a construir nossa carreira esportiva. Eu quase não tenho ido ao Maracanã, mas nas vezes que fui com meus netos, foram jogos do Fluminense. Mais de 20 anos, você acha que não vão nem lembrar da tua cara. Impressionante como torcedor ainda vinha me abraçar, dar parabéns. É altamente recompensador.
+ Fluminense lança camisa retrô em homenagem a Parreira, técnico campeão brasileiro de 1984
Carlos Alberto Parreira, campeão brasileiro de 84 com o Fluminense, em entrevista ao ge
Mariana Sá/ge
O início da relação com o Flu
Antes de entrar na história do Fluminense em 1984, Parreira iniciou a carreira como preparador físico e integrou a comissão da seleção brasileira tricampeã do mundo. Estreou como treinador em missão diplomática, quando assumiu a seleção de Gana nos anos 1960, e conquistou seu primeiro título com a Máquina Tricolor, no Carioca de 1975.
Parreira e Rivellino comemoram o título do Carioca de 1975
Flu-Memória
Decepções com a Seleção
Em 1983, Parreira sucedeu Telê Santana como técnico da seleção brasileira, mas durou menos de 15 jogos no comando. Vice da Copa América com o Brasil, em campanha que terminou com título do Uruguai, Carlos Alberto foi alvo de críticas do público e da imprensa - com direito à frase Fora, Parreira! estampada na capa de veículos como a Placar.
O ciclo chegou ao fim em março de 1984, devido a uma divergência salarial entre Parreira e a CBF. Passadas as críticas, o treinador saiu do cargo satisfeito.
— Como eu iria proporcionar aos torcedores um espetáculo igual ao apresentado pela seleção em 82, na Copa do Mundo? Não tinha os mesmos jogadores e, muito menos, tempo para trabalhar. De agora em diante, tenho certeza, o trabalho do técnico da seleção será mais fácil, pois o pior já passou — disse Parreira, citado na edição de 28 de março de 1984 do jornal O Globo.
Carlos Alberto Parreira, campeão brasileiro de 84 com o Fluminense, em entrevista ao ge
Mariana Sá/ge
Mudanças no Fluminense
Chegamos a 1984. Parreira assumiu o Flu no meio do Brasileirão, depois da polêmica demissão do treinador José Luiz Carbone, que havia levado o Fluminense ao título do Carioca em 1983. Mesmo com apenas duas derrotas em 16 jogos, Carbone viveu relação tensa com o vice de futebol Antônio de Castro Gil, que se queixava de uma postura excessivamente defensiva do time.
— O que eles querem é show? Melhor irem ao Scala (antiga boate no Rio). Nesse tipo de campeonato, o que importa é ir passando de uma fase à outra — disse o ídolo Assis, defendendo Carbone.
O estopim para o desligamento de Carbone foi a ausência do ponta Wilisinho entre os titulares que enfrentariam a Portuguesa. A novela também teve episódios como contestações do técnico por melhores premiações aos jogadores. Na opinião de Carbone, a demissão apenas consumou um desejo antigo de Castro Gil, e o treinador se manteve fiel à ideia de que não se curvaria a interferências.
Carlos Alberto Parreira foi o técnico campeão brasileiro com o Fluminense em 1984
Divulgação/Fluminense
— Não concordamos. Fui para uma árvore, sou chorão, chorei. Ficamos muito p*tos com o Castro Gil e a saída do Carbone. Mais do que treinador, a gente tinha uma relação afetiva muito forte. Eu era o capitão, depois passei pro Duílio. Falei não quero jogar com esse bagulho (faixa) no braço não. A gente sentiu muito. Nunca tinha visto um grupo chorar porque um treinador foi demitido— relembrou Duílio ao ge.
Carlos Alberto Parreira era o desejado na linha sucessória tricolor, mas o treinador preferia assumir uma equipe apenas ao fim do Brasileiro. Convidado pelo presidente Manoel Schwartz, entretanto, aceitou o desafio de comandar o Fluminense a partir do jogo de volta contra o Operário.
A trajetória até o bi
Na estreia de Parreira, o Fluminense derrotou o Operário em São Januário por 2 a 0, com dois gols de Assis. No dia seguinte ao triunfo, o elenco se despediu novamente de Carbone - desta vez, em um jantar numa churrascaria no Rio de Janeiro, cenário diferente da comoção coletiva vista no clube. Fato é que a transição no comando estava consumada.
Fluminense venceu o Operário por 2 a 0 no Brasileiro de 1984, na estreia de Carlos Alberto Parreira
Livro Washington e Assis: Recordar é Viver
— Sei que houve uma repercussão muito grande e negativa contra o clube por tê-lo mandado embora (Carbone), mas nada contra a minha chegada. Cheguei como sempre: devagar, calmo. Falei: vou ser reconhecido pelo meu trabalho. Não adianta ficar falando. Me apresentei aos jogadores. Você se impõe pelo trabalho e resultados. E a gente conseguiu essa química fantástica — relembrou Parreira.
Em 1984, Romerito é recebido com festa pela torcida do Fluminense
Depois, o Tricolor seguiu para vencer a Portuguesa por 4 a 2, com dois gols de Romerito - os primeiros do paraguaio, que estreou pelo Tricolor contra o Santo André, no início de abril. Antes mesmo do confronto contra a Lusa, havia o desejo no Fluminense de encarar o Vasco nas quartas de final.
Nas palavras do vice de futebol Castro Gil, o rival carioca não apenas seria um adversário mais difícil do que Coritiba ou Uberlândia, mas um clássico carioca também motivaria rendas maiores, trazendo alívio às finanças do Fluminense.
O Tricolor encerrou a participação no grupo P com um empate por 1 a 1 com o Santo André, garantido na primeira colocação. No grupo Q, o Vasco também se classificou em primeiro, o que colocou o Coritiba no caminho do Tricolor para as quartas.
Começa o mata-mata
O Fluminense tinha a vantagem de jogar por dois empates contra o Coritiba. No jogo de ida, no Couto Pereira, Parreira montou o time com Getúlio na lateral, substituindo o suspenso Aldo, expulso contra o Santo André. Além disso, Deley entrou na vaga de Wilsinho na ponta.
Em 1984, Coritiba e Fluminense ficam no empate em 2 a 2 pelo Brasileirão
Na capital paranaense, o Fluminense empatou por 2 a 2. Já de olho em um possível confronto contra o Flamengo - então bicampeão brasileiro - na semifinal, Parreira passou a se preocupar com mais que apenas um novo empate com o Coritiba. Uma goleada auxiliaria na manutenção da vantagem de dois empates na fase seguinte. Em meio à preparação, o Fluminense também reajustou os salários dos titulares como forma de motivação pelo título da Copa Brasil.
Em 1984, Fluminense vence Coritiba por 5 a 0 pelo Campeonato Brasileiro
O desejo de Parreira se concretizou. Assis fez o primeiro no Maracanã, após receber livre de Washington - autor do segundo gol - dentro da área. Já com 2 a 0 no placar, o Fluminense impôs ritmo na segunda etapa e balançou as redes mais três vezes, com Washington, Renê e Romerito. Classificação garantida à semifinal e foco voltado para o Corinthians, que surpreendeu ao eliminar o rival Flamengo com vitória por 4 a 1.
Washington e Assis comemoram goleada do Fluminense sobre o Coritiba, no Brasileiro de 1984
Livro Washington e Assis: Recordar é Viver
O grande ato de Parreira
Para encarar o Corinthians da Democracia Corinthiana - o time de Sócrates, Zenon, Biro-Biro, Casagrande -, Parreira almejava mandar a campo um Fluminense sem medo. Estava certo de que não haveria viradas no Morumbi, palco do primeiro jogo da semifinal. Quem marcasse primeiro, sustentaria a vantagem até o fim da partida.
Por isso, o gol de Assis de cabeça, aos 39 do primeiro tempo, ganhou uma importância ainda maior aos olhos do técnico. O goleiro Paulo Victor, por sua vez, só foi ameaçado em uma ocasião, em finalização de Casagrande.
Fluminense venceu o Corinthians por 2 a 0, no Morumbi, em semifinal histórica do Brasileiro de 1984
Livro Washington e Assis: Recordar é Viver
Mas foi na segunda etapa que a atuação do Fluminense ganhou um espaço definitivo no DVD do treinador. Romerito, com problemas musculares, deu lugar a Renê. O Tricolor ganhou velocidade e, em contra-ataque puxado por Washington, Tato marcou o segundo gol no Morumbi.
Baú: Fluminense vence Corinthians no Morumbi na campanha pelo título Brasileiro em 1984
— Só dava Corinthians, Corinthians, Corinthians (na cobertura da imprensa). E nós entramos em campo com a nossa tranquilidade e a nossa organização, nossa qualidade. Em nenhum momento nós deixamos de ser Fluminense. Foi uma senhora vitória, talvez um dos grandes jogos da minha carreira — destacou Parreira.
Em 1984, incrível time do Fluminense derruba o Corinthians no Brasileirão
Depois da vitória histórica no Morumbi, Parreira queria um Fluminense ainda melhor no Maracanã. No jogo de volta, o Tricolor não conseguiu repetir a mesma exibição da partida em São Paulo, mas o empate por 0 a 0 garantiu o avanço à final do Brasileiro.
Fluminense eliminou o Corinthians na semifinal do Brasileiro de 1984
Livro: Washington e Assis: Recordar é Viver
A consagração
O desejo da diretoria de enfrentar o Vasco enfim tinha uma data para acontecer, agora na decisão do Brasileiro. Do lado cruz-maltino, o técnico era Edu Coimbra, justamente o sucessor de Parreira no comando da Seleção.
A final colocou frente a frente o melhor ataque de competição, dos vascaínos, contra a melhor defesa (na média), dos tricolores. Ambos já estavam classificados à Libertadores do ano seguinte. Parreira não se contentava com a vaga, e dizia que ser segundo é como ser último. Apenas o título da Copa Brasil interessava ao treinador.
Tato e Romerito comemoram gol do paraguaio em Fluminense 1 x 0 Vasco, no Brasileiro de 1984
Livro Washington e Assis: Recordar é Viver
O Fluminense saiu na frente na decisão. Tato lançou Assis pelo lado esquerdo, que cruzou na área. Washington, seu parceiro de Casal 20, tentou cabecear sem sucesso. Surgiu então Romerito, que tocou para a defesa de Roberto Costa. No rebote, o paraguaio estufou as redes do Vasco e marcou o único gol no Maracanã.
— O gol mudou a minha vida com a torcida. Imagina, fazer o gol do título em cima do rival, num clássico, Maracanã lotado? Muda a vida de cada um. Até agora é lembrado. Toda essa geração que viu o jogo está ficando velha. (O tempo) vai passar, mas vai ficar sempre na história do Fluminense. (...) Parreira foi o maior técnico que eu tive na minha vida. Um grande professor, um grande mestre. Eu sou grato a ele e aprendi muito com ele. Eu me adaptei ao sistema de jogo dele, que é o mais importante — relembrou Romerito à reportagem.
O gol de Romerito, do Fluminense, contra o Vasco, pela final do Brasileiro de 1984
Paulo Victor deixou o gramado sem fazer quaisquer defesas, e houve uma sensação de que o placar poderia ter feito mais elástico. Mas com a vantagem - ainda que simples -, o Fluminense se antecipou e encomendou o chopp de comemoração. Parreira tentou ao máximo fugir do clima de já ganhou.
A pressão foi para o lado do Vasco, que precisava vencer por dois gols de diferença para ser campeão. No jogo de volta, prevaleceu o 0 a 0, que deu o título - à época, inédito - ao Tricolor. A maior ameaça veio dos pés de Arturzinho, já perto do fim do segundo tempo, quando Paulo Victor fez a defesa que carimbou a conquista do Fluminense.
— Quando houve o contra-ataque, e a bola foi colocada na frente pro Arturzinho, ele entrou sozinho... Eu só tive uma reação: ficar parado esperando ele definir. Graças a Deus fui feliz, quando ele chutou eu defendi com os pés. Foi uma defesa, para mim, como se eu tivesse feito o gol do título. Quando fiz a defesa, vi ali que o título tava garantido — relembrou o goleiro tricolor.
Fluminense foi campeão do Brasileiro sobre o Vasco, em 1984
Divulgação/Fluminense
No apito final, Parreira correu para o vestiário. Foi um choro carregado. Não só pelo peso de substituir um treinador querido como Carbone e a pressão de levar o Fluminense ao título, mas também pela chance de dar fim às críticas sofridas na Seleção.
O auxiliar Admildo Chirol e o médico Arnaldo Santiago chegaram enquanto Parreira ainda soluçava, mas deixaram o treinador sozinho. Depois de bons minutos, Parreira abriu a porta do vestiário e achou Deley. Na sequência, vieram os demais jogadores - e naqueles abraços, a emoção resumiu a conquista do Brasileiro.
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