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Mãe acusada de tráfico soma cinco habeas corpus por cultivar cannabis medicinal para tratar criança autista

G1 - com informações do G1

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Com informações do G1

25/02/2024 por Redação

Angela mora em Campinas, é ativista e atua para que outras famílias tenham direito de cultivar cannabis para fins medicinais. Angela com a filha Maria Luiza, ainda pequena, em plantação de maconha, usada para fins medicinais
Arquivo Pessoal
Maria Luiza completou 11 anos em 2023. É uma menina feliz e saudável do ensino fundamental com um mundo inteiro a desbravar. Porém, o que para muitas outras crianças é apenas parte de um desenvolvimento esperado, para a mãe Angela Aboin é uma conquista.
Malu foi diagnosticada ainda na primeira infância com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, até os 4 anos, vivia uma rotina bem diferente. Tinha convulsões diárias, não queria se alimentar e sequer sentia frio. Segundo a mãe, tudo mudou quando ela passou a fazer uso de cannabis medicinal.
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O problema é que a maconha, cultivada e transformada em remédio dentro de casa, é proibida. A mãe, moradora de Campinas (SP), relata que foi denunciada e chegou a responder por tráfico de drogas enquanto tentava tratar a filha.
(Esta reportagem faz parte de uma série especial do g1 Campinas sobre cannabis medicinal, que explica quais são os caminhos e desafios para ter acesso a esses produtos hoje no Brasil e mostra as pesquisas e iniciativas coletivas e individuais realizadas na região).
Hoje, com cinco habeas corpus, Angela atua para que mais famílias tenham esse direito assegurado: motivada pela história da filha, se tornou ativista e virou coordenadora da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica do Brasil (FactBrasil).
Crime é impedir as pessoas de terem acesso à medicina, à saúde, a uma qualidade de vida que, literalmente, traga vida para elas, desabafa.
👉 Nessa matéria você vai conferir
Quando Angela recorreu à cannabis medicinal
A denúncia por tráfico de drogas que ela precisou enfrentar
O desafio das famílias e associações que querem cultivar cannabis medicinal
Como obter autorização para plantar maconha para fins medicinais no Brasil
Veja o que é necessário para cultivar cannabis medicinal no Brasil
Remédio ou droga?
“Eu não queria que ela tivesse a mesma evolução que eu via com outras crianças autistas. É comum receitarem muitos medicamentos, para dormir, para comer, modelador de humor, anticonvulsivante. Não queria isso”, comenta Angela Aboin.
Logo que soube do uso terapêutico da maconha com alternativa para a qualidade de vida de pessoas autistas, teve certeza que queria aquele tratamento para a filha. Naquela época, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só autorizava a importação de produtos medicinais à base de cannabis em casos graves de epilepsia, o que não ocorria com Maria Luiza.
Em 2016, desesperada, ela decidiu apostar na produção caseira do óleo de maconha. Passou a cultivar a planta e, no ano seguinte, iniciou o uso.
❗❗ É importante reforçar, no entanto, que a orientação dos especialistas é que cada paciente passe por avaliação médica para definir o tratamento específico do caso. Além disso, a produção caseira de produtos da maconha é mais suscetível a risco de contaminação por fungos, pesticidas e metais pesados segundo a pós-doutora pela Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia, Ana Gabriela Hounie.
Angela Aboin mora em Campinas e é ativista pelo direito de usar de cannabis medicinal
Arquivo Pessoal
👉 Cada caso é um caso: Isso porque o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), substâncias presentes na cannabis, têm funções diferentes no organismo, como detalha a pós-doutora pela Faculdade de Medicina da USP e presidente Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia, Ana Gabriela Hounie.
A maioria dos efeitos do THC e do CBD são opostos. O THC piora a psicose, o CBD melhora a psicose. Como é tudo um sistema que tem que estar em equilíbrio, a gente precisa modular a quantidade de CBD e THC pra cada pessoa, dependendo do que você quer tratar, afirma.
E, além disso, há perigos associados à produção própria. Em remédios caseiros, há risco de contaminação por fungos e pesticida caso não seja uma produção orgânica feita em estufa, [ou] contaminação por metais pesados caso a terra usada também não seja analisada. A produção pela indústria tem maior chance de ser fiscalizada e analisada para manter padrões de qualidade.
No caso de Maria Luiza, a mãe afirma que os resultados foram imediatos. “Minha filha era muito agressiva, não comia, não dormia. Tinha várias dificuldades. Ela não sentia frio, eu não conseguia fazer ela usar uma blusa, não conseguia fazer ela ir à escola”.
“Ela dormiu melhor e eu fui vendo ali um alívio para o nosso sofrimento. Na escola, me perguntavam o que eu estava fazendo, porque ela tinha mudado”.
Investigada por tráfico
Defensoria Pública em Campinas (SP)
Reprodução/EPTV
Simultaneamente, Angela recorreu à Defensoria Pública na busca por um habeas corpus que resguardasse a produção, mas encontrou uma pedra no caminho. “Começaram a anotar as evidências, me deram orientação e correu tudo bem. Só que eu fui denunciada e tive que responder por tráfico. Foi muito pesado, um processo muito difícil pra gente”.
O caso foi investigado como tráfico de drogas, mas a falta de provas e a condição da filha viraram álibi. Apesar disso, Angela precisa se apresentar à Justiça anualmente para renovar o habeas corpus. “Minha ficha criminal ficou bem extensa. Eu estou indo para o sexto habeas corpus, mas tenho uma filha super saudável, que se desenvolve bem”.
🌿 Angela foi a primeira mãe a conseguir um habeas corpus para plantar maconha por meio da Defensoria do Estado de São Paulo. Desde então, além da própria família, a ativista conta que também ajudou outras dezenas de todo o país oferecendo orientações sobre o acesso, cultivo e produção do óleo da maconha para fins de saúde.
Solução para muita gente
O cannabis medicinal é um óleo extraído da planta da maconha
Profissão Repórter
A história de Angela é só uma entre as de milhares de famílias brasileiras que apostam na maconha como forma de cuidar da saúde. “Hoje a gente tem no Brasil mais de 4 mil habeas corpus. Mais de 4 mil famílias respondem criminalmente, assumindo que fazem o uso da cannabis como medicina, que fazem o cultivo, que fazem a extração dentro de casa, mas que são criminalizados”, comenta.
Entre as associações, que se dedicam a levar esse tipo de produto para quem não tem condição de comprar, os números também surpreendem. São ao menos 130, segundo estimativa da FactBrasil. Apesar disso, ainda falta apoio e reconhecimento. Para a mãe de Maria Luiza, essa é uma luta contínua, mas que pouco a pouco ganha espaço.
🔬 Um exemplo disso é o edital que contemplou a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com uma verba de R$ 180 mil para o controle de qualidade dos óleos de cannabis. “É um ato ousado, trouxe um fortalecimento inicial, mas isso é uma gotinha no oceano e a gente precisa de muito mais. Precisamos desse olhar da sociedade, do judiciário e até do Ministério Público”.
“Precisamos que parem de nos olhar como traficantes”, completa Angela.
Autorização para plantar cannabis medicinal no Brasil
O advogado Leonardo Sobral Navarro lembra que portar ou possuir a planta in natura, assim como produzir o óleo, mesmo que para fins medicinais, é proibido e configura crime. Por isso, o paciente precisa ter o resguardo judicial de um habeas corpus como ocorreu com a mãe de Campinas. Entenda:
o habeas corpus é um instrumento judicial que resguarda a liberdade do indivíduo e deve ser obtido por meio de ação na Justiça;
o habeas corpus não é uma autorização para plantar, mas sim uma proteção para que o paciente não seja preso ou tenha seus produtos à base de cannabis apreendidos;
com o habeas corpus, a Justiça reconhece que, embora configure crime, o paciente está plantando e usando a maconha para fins de saúde;
para isso, é preciso que o habeas corpus detalhe o que será resguardado. É comum que o juiz limite o número de plantas cultivadas ou quantidade de óleo a ser extraída, por exemplo.
“A conduta que a pessoa tem de ter a planta em casa é entendida como ilícita. O habeas corpus precisa ter todo o contexto da situação e o paciente que, junto do advogado, precisa levar ao judiciário tudo o que ele tem, qual é a patologia, qual o tratamento, quais os benefícios que ele tem com a cannabis”.
“O habeas corpus vai certificar que o paciente não vai desviar a conduta, não vai vender, não vai fazer nada fora do que foi estabelecimento”, completa Navarro.
Tratamento com cannabis medicinal enfrenta preconceito e desinformação sob recortes racial e social
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