Divulgação/O TempoO Ministério da Saúde avalia rebaixar a classificação da Covid-19 de pandemia para endemia no Brasil. A decisão será tomada em até quatro semanas, após o Carnaval, segundo porta-voz da pasta, e pode implicar mudanças na autorização do uso emergencial de vacinas e de medicamentos contra a doença. Especialistas concordam que a pandemia se aproxima de uma fase menos grave, porém cobram mais medidas de controle contra a Covid-19 antes de se pensar em uma reclassificação. 
 
Em conversa com jornalistas nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou que a decisão depende do cenário epidemiológico, mas admitiu que os critérios para balizar o rebaixamento não estão totalmente definidos. Em entrevista ao jornal brasiliense “Metrópoles”, a secretária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, detalhou que a decisão será tomada após diálogo com os Conselhos Nacionais de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (Conass e Conasems) e com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). 
 
O assunto é debatido por especialistas no país desde que outras nações começaram a reduzir restrições contra a pandemia, após o pico de infecções pela variante ômicron. Ontem, o governo colombiano anunciou que, a partir de amanhã, não exigirá mais o uso de máscaras ao ar livre em regiões onde mais de 70% da população tenha sido vacinada contra a Covid-19. O Reino Unido também retirou nesta semana as medidas contra a Covid-19, ao mesmo tempo em que os britânicos foram estimulados a voltar ao trabalho presencial. 
 
O infectologista Júlio Croda, pesquisador da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), declarou em entrevista ao jornal “O Globo” nesta semana, que estamos “caminhando para o fim da pandemia”, rumo a uma fase endêmica que pode resultar até no fim da obrigatoriedade do uso de máscara. Para ele, ainda neste semestre poderá ser possível declarar que não estamos mais em emergência de saúde pública.  
 
O Brasil é um dos países com maior patamar de vacinação do mundo, com quase 71% da população vacinada com duas doses, índice superior ao de nações desenvolvidas como EUA, Israel e Japão, segundo o site Our World in Data. Ainda assim, tem bolsões com nível bem inferior de vacinação e alguns Estados, como Amapá e Roraima, estão aquém do patamar nacional, o que leva especialistas a cobrar adoção de outras medidas de controle da pandemia. 
 
A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel pondera que a realidade do país é bem diferente da de nações europeias que abandonam restrições, já que ainda não distribui medicamentos eficazes contra a doença ou autotestes na rede pública, por exemplo. “Nós precisamos ter estratégias de controle muito bem estabelecidas para passarmos para uma nova fase. A gente não tem isso ainda no Brasil, e é perigoso fazermos comparação com outros países, como o Reino Unido, que tem tudo isso e está em situação muito diferente da nossa”.
 
O antiviral da Pfizer, o Paxlovid, é utilizado pela rede pública no Reino Unido, assim que pessoas com maior risco de gravidade para a doença apresentam sintomas. No Brasil, o medicamento está sob análise da Anvisa para uso emergencial. Os demais medicamentos aprovados pela agência não foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). 
 
 O biólogo Atila Iamarino, conhecido pela divulgação científica desde o começo da crise sanitária, diz que nos aproximamos da “lua de mel da pandemia”, quando os índices epidemiológicos tendem a baixar significativamente devido à vacinação. “Vai dar uma aliviada depois dessa onda de ômicron, mas a gente não passou pela pandemia ainda”. E pontua que a cobertura da dose de reforço em países europeus que anunciam o fim de medidas restritivas, como uso de máscara, é muito superior ao brasileiro, que não chega a 30%. Na Dinamarca, o índice supera 60%. “Adiantar as medidas de lá sem tomar as mesmas medidas de prevenção, não necessariamente dará o mesmo resultado”. 
 
Regulamentação
 
 A reclassificação da Covid-19 para endemia, de acordo com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, precisa ser balizada por meio de uma portaria do ministério ou decreto presidencial. Isso porque o uso das vacinas da Janssen e da Coronavac, por exemplo, é sujeito à autorização emergencial, que foi concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o combate imediato à pandemia. Medicamentos utilizados no tratamento da Covid-19 também receberam essa aprovação. Até o fechamento desta edição, a Anvisa não informou se a reclassificação exigiria mudanças neste sentido.
 
A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel lembra que o futuro próximo da Covid-19 ainda não está claro. “Primeiro, a gente precisa ter critérios definidos epidemiologicamente. Ainda não temos um consenso mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) está observando como será o verão europeu e nos EUA para ver se o decreto de pandemia pode ser finalizado ou não”, diz.
 
A bioquímica e divulgadora científica Mellanie Fontes-Dutra enfatiza que uma endemia não significa necessariamente número baixo de casos ou fim de todas as medidas preventivas. “Dependendo do cenário que a gente encontrar, pode ter o relaxamento de uma ou mais medidas, ou manter algumas medidas ainda como resposta a esse cenário”, elabora. O Ministério da Saúde ainda não indicou se a reclassificação seria acompanhada, por exemplo, do fim da recomendação de uso de máscara em ambientes abertos. 
 
Doenças endêmicas, como a gripe e a dengue, são sazonais - o pico de casos ocorre em períodos já esperados do ano. Já uma pandemia se alastra por vários continentes ao mesmo tempo. A onda da ômicron, por exemplo, atinge o Brasil durante o verão, mas se agravou na Europa durante o outono e o inverno.