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Para pesquisadores, morte de Olavo de Carvalho intensifica disputas dos radicais

Historiadores da UFJF conversam com a reportagem de O TEMPO e analisam os impactos da vida e morte de Olavo de Carvalho no bolsonarismo e na extrema-direita brasileira

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Com informações do site O Tempo

05/02/2022 por Redação

Divulgação/O TempoDivulgação/O TempoDesde que o ideólogo e orientador das mensagens extremistas de direita mais atuais, Olavo de Carvalho, faleceu em 24 de janeiro deste ano, aos 74 anos de idade, especialistas que acompanham as movimentações desses grupos radicais têm analisado os efeitos políticos dessa perda, inclusive à luz do que aconteceu no passado brasileiro.

Tendo em vista movimentos políticos históricos, como fascismo, integralismo e neointegralismo, os pesquisadores Odilon Caldeira Neto e Leandro Pereira Gonçalves, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, conversaram com o portal O TEMPO sobre o que eles têm observado nos grupos bolsonaristas órfãos de Olavo de Carvalho.

Eles também discutem as conexões entre o bolsonarismo e as tradições da extrema direita, entre elas o uso de lemas e simbologias integralistas, como Deus, pátria e família e um forte apelo anticomunista. 

Confira a seguir os principais trechos desse bate-papo e também a entrevista na íntegra no vídeo abaixo e no canal do portal no YouTube. 

Conexões entre olavismo e movimentos históricos da extrema direita

O TEMPO: Vocês estudam o fascismo histórico, integralismo e extrema-direita. Na perspectiva de vocês, o fenômeno do olavismo, encabeçado pelo escritor Olavo de Carvalho, que faleceu no final do mês de janeiro deste ano, tem conexões com algum ou alguns desses fenômenos que vocês pesquisam? 

Caldeira Neto: Quando tratamos do fenômeno encabeçado pelo Olavo de Carvalho, me parece que a gente tem que fugir de certas simplificações que podem incluir o Olavo de Carvalho, suas obras, seu impacto político, exclusivamente em torno de um lastro histórico, ou então um fenômeno que é exclusivamente de apropriação e reprodução de uma referência internacional para a realidade brasileira. 

O que quero dizer com isso é: seja o impacto político das obras de Olavo de Carvalho, seja a eleição do projeto político do bolsonarismo ou outras formas políticas que se realinham na extrema direita mais recentemente, não se trata apenas de um fenômeno de trazer e aplicar uma dimensão internacional para a arena política brasileira. 

É um fenômeno de incorporação de elementos internacionais, mas também um fenômeno de resgate de uma tradição histórica. A história da extrema direita brasileira não começa com os livros do Olavo de Carvalho, nem com a eleição de Jair Bolsonaro.

 



 

O que é fascismo, neofascismo, integralismo e neointegralismo? 

O TEMPO: Podem explicar com mais detalhes e exemplos o que são esses conceitos de fascismo histórico, neofascismo, integralismo e neointegralismo? Como estão conectados à história brasileira?

Gonçalves: O fascismo histórico propriamente dito é caracterizado como fenômeno político que ocorreu principalmente no período entre Guerras [Primeira e Segunda]. 

Existe uma série de características básicas em torno do fascismo histórico: o discurso de um nacionalismo, a formação de um Estado orgânico, um militarismo, o culto a um líder carismático, propaganda governamental, anticomunismo, antiliberalismo, a busca de expansão territorial. 

Justamente dentro dessa perspectiva que entram interpretações sobre o integralismo brasileiro, que nada mais é do que a experiência fascista brasileira. A Ação Integralista Brasileira foi criada no dia 7 de outubro de 1932 em São Paulo, tinha como objetivo a formação de um movimento nacional, de cunho corporativista, a formação do chamado Estado integral. 

O chefe do movimento integralista, o líder supremo, era um intelectual de São Paulo, que participou do modernismo nos anos 1920, o Plínio Salgado. Ele tinha um discurso muito sólido de base cristã, que atingia justamente setores médios da sociedade brasileira nos anos 1930. E o integralismo é caracterizado como o maior movimento fascista da América Latina. É o principal movimento fascista fora da Europa.

Com a morte do Plínio Salgado em 1975, nós temos a interpretação da virada para o neointegralismo, em que o integralismo vai ter que ser recriado sem a presença do chefe.

Efeitos da morte de Olavo de Carvalho no bolsonarismo

O TEMPO: Depois da morte do Olavo de Carvalho, há algumas iniciativas de parlamentares bolsonaristas e olavistas, por exemplo, que querem homenagear, até canonizar a figura dele, como um herói nacional. É possível estabelecer alguma conexão entre a morte do Plínio Salgado e a do Olavo de Carvalho? E é possível ter uma ideia do que pode acontecer com o bolsonarismo a partir dessa morte?

Caldeira Neto: Uma questão importante é a forma de organização de movimentos políticos ou expressões políticas organizadas. No caso do fascismo, efetivamente no fascismo histórico, tem uma face mais formatada na primeira metade do século 20, com uma certa demanda a partir da crise da democracia e do liberalismo, com uma busca por uma dimensão autoritária da organização da sociedade, via Estado autoritário, relações de trabalho também geridas a partir de uma primazia autoritária, e sobretudo, um líder autoritário. 

O que Plínio Salgado significava para o movimento integralista é muito diferente do que Bolsonaro ou mesmo Olavo de Carvalho representam para os fenômenos recentes. Eu particularmente entendo o bolsonarismo como uma espécie de movimento político marcado por uma grande fragmentação interna. 

Um elemento caracterizante do bolsonarismo é uma certa fagocitose cotidiana, onde lideranças são erigidas, depois são cooptadas, depois são devoradas pelo próprio movimento, não há um processo unidirecional do ponto de vista da liderança. 

Então se a morte de Plínio Salgado estabeleceu um ponto de ruptura no integralismo, a morte de Olavo de Carvalho é um ponto de intensificação de disputas dentro desse campo que em certa medida ainda está em formação. Então o que acontece? O Olavo de Carvalho morre, quais são os herdeiros de Olavo de Carvalho? Essa é uma disputa que já se coloca.

Ataque neointegralista à produtora Porta dos Fundos 

O TEMPO: No livro publicado com o título Fascismo em Camisas Verdes: sobre o integralismo e o neointegralismo, me chamou atenção que vocês citaram como exemplo de ação neointegralista o atentado contra a sede da produtora Porta dos Fundos, por conta daquele filme especial de Natal, de 2019. Naquela época a gente ainda não falava de pandemia. Que outros exemplos temos de ações e de mensagens neointegralistas no Brasil atualmente? 

Gonçalves: Não existe dentro do neointegralismo uma proposta única estabelecida politicamente, não existe um projeto neointegralista. Nos anos 1980, um diálogo dos neointegralistas com grupos skinheads, por exemplo, nos anos 2000 relações do neointegralismo com partidos políticos, como foi o PRONA, do Enéas Carneiro. 

Mas existia esse diálogo e toda uma relação partidária. Foi com o PRONA, num primeiro momento, com a morte do Enéas, essa relação foi desintegrada. Os neointegralistas passaram a buscar espaços políticos em outros partidos, como, por exemplo, a relação com o PRTB, que é o partido do Levy Fidelix e do atual vice-presidente da República [general Hamilton Mourão]. 

É por isso que esses neointegralistas acabam encontrando espaço dentro de um partido político que hoje se coloca como um partido radical com um discurso ultraconservador, principalmente por conta do seu presidente de honra, Roberto Jefferson. 

Como são muitos grupos heterogêneos, existem grupos que não seguem essa linha partidária, política e tradicional, e acabam utilizando a via mais radical, como, por exemplo, ataques terroristas, como à produtora Porta dos Fundos.

Estudos sobre extrema direita 

O TEMPO: Vocês publicaram um novo livro sobre o fascismo brasileiro, que vai ser lançado pela editora britânica Routledge Books, e que tem o seguinte título traduzido para o português: Fascismo no Brasil: do integralismo ao bolsonarismo. O que destacam desse livro?

Gonçalves: Esse livro é resultado de pesquisas que Odilon e eu desenvolvemos há muitos anos. Odilon e eu, a gente já se conhece há quase 20 anos, temos uma parceria de trabalhos, pesquisas e estudos principalmente por dialogarmos com um mesmo objeto de pesquisa em torno dessa perspectiva autoritária e extremista. 

Existem muitos estudos acadêmicos sobre o movimento integralista, é um objeto de estudo desde os anos 1970 nas universidades brasileiras. Nos últimos 20 anos teve um crescimento de estudos e de conhecimento da existência do fascismo no Brasil, algo que até poucos anos atrás praticamente ninguém sabia. Achavam que o fascismo era algo restrito à Europa, com Mussolini e Hitler. 

Caldeira Neto: Muitas vezes, analisamos com certo desconforto essa noção de que tudo que se estabelece no Brasil a partir do processo eleitoral de Jair Bolsonaro seja apenas um fenômeno de reprodução de uma agenda internacional. 

É evidente que as chamadas novas direitas, novas facetas do populismo de direita radical são um fenômeno de dimensão global. Mas também tem relação com uma dimensão que não diz respeito apenas ao internacional. 

Liberdade de expressão vs. discurso de ódio

O TEMPO: Vocês registraram no livro que foi realizada em 2011 uma manifestação neonazista em apoio ao então deputado federal Jair Bolsonaro em defesa da liberdade de expressão dele. Foi um pouco depois que ele fez um comentário racista contra a cantora Preta Gil no programa CQC. Como vocês analisam esse debate sobre liberdade de expressão?

Caldeira Neto: O debate sobre liberdade de expressão é bastante espinhoso e em certa medida bastante traumático. O discurso do Bolsonaro no programa CQC não foi o primeiro momento em que ele teve espaço cativo em setores da imprensa brasileira. Super Pop, CQC, outros programas tomavam aquele discurso mais folclórico quando era discurso de ódio. 

Sendo impulsionado como algo pitoresco, em torno de uma pluralidade de ideias, na realidade ocasionava num fenômeno de fortalecimento de suas redes [do presidente Jair Bolsonaro], naturalização do seu discurso e impulsionamento das suas práticas e valores políticos. 

Gonçalves: Complementando, o próprio caso do Olavo de Carvalho. Existe todo um debate acerca da construção do Olavo de Carvalho, mas muito do que ele construiu se baseou nas atividades da imprensa brasileira, que deu voz para essa radicalização e o intitulou de filósofo e intelectual. 

Isso é muito sério, o espaço que a imprensa permite para discursos de ódio, que caminham desde uma banalização de uma chacota, como Bolsonaro era tratado há anos, de uma forma que pode trazer consequências para o futuro. 

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