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Entenda como o governo Bolsonaro está nas mãos do Centrão

Centrão garante governabilidade da atual gestão de Jair Bolsonaro, mas não assegura reeleição em 2022 devido a estelionato eleitoral após 2018, avaliam especialistas

Rastro101
Com informações do site O Tempo

05/12/2021 por Redação

Divulgação/O TempoDivulgação/O Tempo“O que vem sendo feito ao longo dos últimos anos? O presidente indica seus ministros de acordo com interesses político-partidários.Tem tudo para não dar certo. Qual é a nossa proposta? Indicar as pessoas certas para os ministérios certos. Por isso, nós não integramos o Centrão, tampouco estamos na esquerda de sempre”. Esse discurso é de 2018, do então candidato a presidente Jair Bolsonaro.

“Centrão é nome pejorativo. Eu sou do centrão. Fui do PP, do PTB, fui do então PFL. No passado integrei siglas que foram extintas, como PRB, PPB. O PP lá atrás foi extinto e depois nasceu novamente na fusão do PDS com o PPB, se não me engano”, diz o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em 2021.

“Agora, nós temos 513 parlamentares. O tal Centrão, que chamam pejorativamente disso, são alguns partidos que lá atrás se uniram na campanha do Alckmin e ficou, então, rotulado como algo danoso para a nação. Não tem nada a ver, eu nasci de lá”, acrescenta Bolsonaro, em referência às críticas feitas pela própria campanha organizada pelo PSL em 2018.

Engana-se quem pensa que Jair Bolsonaro “se casou” com o Centrão ao se filiar, na última terça-feira (30), ao PL de Valdemar Costa Neto, preso no Mensalão petista. O “namoro” e “noivado” com o grupo que dita as regras nas votações na Câmara dos Deputados começou antes.

Em meados de 2020, Bolsonaro percebeu que, sem os integrantes do Centrão, pouco conseguiria no Poder Legislativo. Apontado como comandante dos rumos do país, o Centrão se configura num bloco informal com diversos partidos que se alinham ao presidente em exercício sem analisar ideologia, por exemplo, e formam o popularmente conhecido “toma lá, dá cá”.

Formam o Centrão as seguintes siglas: PP, Republicanos, PL e PTB.  O grupo ainda conta com apoios eventuais de MDB, PSD, DEM e partidos com bancadas menores. A força do Centrão é ilustrada no processo de impeachment de Dilma Rousseff. À época, o governo Dilma estava frágil no Congresso Nacional. Sem apoio, congressistas articularam a ascensão de Michel Temer ao topo da República. Com votos em peso do Centrão, Dilma caiu.  

Outro incentivo para Bolsonaro conversar e chamar o Centrão para fazer parte do governo foi justamente a ameaça do impeachment. Com um pedido atrás de outro, a Câmara acumula cerca de 130 tentativas de colocar o processo de destituição de Bolsonaro em tramitação. 

No entanto, a autoridade responsável por iniciar o processo é o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), que venceu as eleições para presidente da Casa com o apoio de aliados de Bolsonaro contra o candidato Baleia Rossi (MDB-SP), que foi apoiado pela oposição, incluindo o PT.

Ideologicamente aliados deixam ministérios e Centrão entra

Somente em 2021, Jair Bolsonaro tirou dois generais do comando de ministérios importantes e colocou dois parlamentares do Centrão.

A primeira mudança foi em março. A Secretaria de Governo, até então comandada por dois generais, Carlos Alberto dos Santos Cruz e Luiz Eduardo Ramos, passou a ser ocupada pela deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), que se tornou a responsável pela articulação política do governo no Congresso Nacional.

Em julho, Bolsonaro surpreendeu ao nomear o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil, outra pasta que passou pelo comando de dois militares: Walter Souza Braga Netto e, de novo, Luiz Eduardo Ramos. Antes dos dois generais, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) ocupou a pasta.

Foi neste momento em que Ciro Nogueira chegou ao governo que Bolsonaro disse ser do Centrão. “Nasci de lá”, afirmou o presidente, não se importando com o passado de Nogueira, que fez oposição ao seu governo. 

Ainda  no alto escalão do governo Bolsonaro, há outros integrantes do Centrão. Fábio Faria (PSD-RN) virou ministro das Comunicações, pasta recriada em 2020. Rogério Marinho (PL-RN) está no Ministério do Desenvolvimento Regional e, por fim, João Roma (Republicanos-BA), no Ministério da Cidadania.

Destes, Faria e Marinho entraram no governo em 2020. Roma ingressou neste ano. Todos são deputados licenciados da Câmara.  

Na avaliação de Fernando Guarnieri, cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), Bolsonaro acenou ao Centrão quando perdeu apoio desde a eleição.

“Esse movimento em direção ao Centrão é escancarado. Vimos como começou o governo. No começo do mandato, Bolsonaro tinha círculos de apoio. O mais próximo dele é composto pela família, no outro um pouco mais ampliado tinha os olavistas e o pessoal mais ideológico da extrema-direita e no círculo mais exterior estavam os militares. Com o passar do tempo, foi perdendo o apoio desses segmentos. Vimos o Weintraub, Salles e Ernesto saírem”, disse Guarnieri.  

O cientista político explica ainda que todo movimento político de Bolsonaro culminou com as manifestações de 7 de Setembro, que miraram o Supremo Tribunal Federal (STF), sob argumento de que ministros da Corte não deixavam o presidente da República governar.

“Ele foi se isolando e perdeu o apoio da cúpula das Forças Armadas, quando o ex-ministro da Defesa Fernando de Azevedo saiu. Tudo isso vai dar no 7 de Setembro, uma tentativa de se mostrar forte e, na verdade, expôs sua fraqueza”, afirmou.

Depois das manifestações, Bolsonaro precisou do ex-presidente Michel Temer (MDB) para escrever uma carta de conciliação com o ministro do STF Alexandre Moraes, que foi para a Corte no governo Temer. Naquele momento, a carta foi um balde de água fria, até mesmo nos mais fiéis seguidores.

Governabilidade de um lado, eleições de outro

Embora o Centrão alavanque a governabilidade da atual gestão de Bolsonaro, a aliança com o bloco configura estelionato eleitoral e pode diminuir as chances de reeleição no próximo ano.

“Bolsonaro sempre foi do Centrão, mas só agora ele fala abertamente e assume isso, ao ponto de se filiar ao PL em cerimônia ao lado do Valdemar Costa Neto. Isso configura um grande estelionato eleitoral do Bolsonaro na presidência. Ele foi muito crítico do Centrão em 2018, embora fosse óbvio que era da boca para fora”, avalia Villaverde.

O cientista político lembra que integrantes do governo embarcaram nas críticas, como o general Augusto Heleno, atualmente no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI).

Heleno fez uma paródia associado parlamentares do Centrão a ladrões durante convenção do PSL, o partido que elegeu Bolsonaro em 2018.

Além dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, fazia nas redes sociais e em discursos públicos essa mesma associação entre Centrão e corrupção. 

“A associação com o Centrão tende a abalar muito a base eleitoral do Bolsonaro. Ele foi eleito com 55% dos votos válidos, mas hoje a popularidade dele está em 20%, significa que milhões de pessoas que votaram 17 em 2018 já não estão mais com ele”, observa o cientista político.

Na avaliação de Guarnieri, a contradição do governo Bolsonaro em relação ao bloco partidário começou a ficar aparente com a saída do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

“Bolsonaro se tornou fiador, para uma boa parte do Congresso, de um acordo anti-lavajatista. Naquele momento começaram as alianças com pessoas envolvidas na Lava Jato e no mensalão. O Bolsonaro tomou medidas para enfraquecer o controle da Justiça sobre a corrupção, favorecendo o Centrão”, lembra o especialista.

Para ele, a nova postura anti-lavajatista do governo não fez Bolsonaro perder tantos apoiadores, indicando que a filiação ao PL também não agravará a campanha de 2022.

“Ao se filiar ao PL, ele volta para a velha política que ele criticava. Então o que se imaginava que seria a estratégia de campanha, que poderia ser igual ao que fez em 2018, vai ser mais difícil, não vai ter mais novidade”, nota Guarnieri. 

Por sua vez, Villaverde avalia que há quem continua apoiando o presidente devido ao alinhamento com a pauta de costumes mais radical e conservadora. Mas alguns desses eleitores acreditaram que Bolsonaro seria “antissistema”.

“Para alguns desses eleitores, abala muito o Bolsonaro aparecer abraçado com o Valdemar Costa Neto, Roberto Jefferson e Ciro Nogueira. Isso ainda não se mostra nas pesquisas porque ele se filiou no início da semana, é recente. Mas provavelmente vai aparecer”, prevê Villaverde.

Outro agravante para a campanha de Bolsonaro é a provável candidatura de Moro para disputar a presidência em 2022. “O Moro captura votos do bolsonarismo e não está associado ao Centrão, até porque esses partidos são antil-avajatistas”, observa o especialista. 

Por outro lado, com a popularidade em baixa somada às crises política e econômica, não restava muita alternativa a Bolsonaro que não passasse pela aliança com o bloco de partidos governistas. 

“Ele precisa do orçamento secreto, do calote nos precatórios, da liberação de recursos para emendas parlamentares e pagar um megaprograma social em ano eleitoral. Foi inevitável fazer essa aliança para trazer o mínimo de estabilidade para a política e avançar com programas de interesse do governo”, destaca Villaverde.

Contrapartida para os partidos do Centrão

Os partidos do Centrão se beneficiam ao se alinhar com o chefe do Executivo, pois é quem permite um manejo mais livre do orçamento bilionário do país.

“Além disso, para o PP foi ótimo, porque continua com Bolsonaro sem tê-lo no partido. Caso ele perca as eleições, o PP consegue apoiar o novo governo, qualquer que seja. Para o PL, se o Bolsonaro perder as eleições no primeiro ou segundo turno, ainda assim o partido vai ganhar votos para deputados, isso é ótimo”, pontua Villaverde. 

“Bolsonaro está apostando na política tradicional e no apoio dos estados, está tentando lançar nomes fortes para fazer palanques estaduais. Ele teve muitas dificuldades de encontrar partido porque queria ter total controle da máquina partidária. O casamento com o PL foi um processo longo por conta das lideranças regionais do partido, que tiveram até que abrir mão das suas estratégias em favor das estratégias do Bolsonaro”, complementa Guarnieri.

Nesse sentido, na avaliação do especialista, o PP teria mais dificuldade para incorporar um projeto bolsonarista do que o PL, que não conta com lideranças fortes em seu quadro como Arthur Lira e Ciro Nogueira. “O PP fica livre para fazer um acerto no futuro, se der errado essa aposta no Bolsonaro, apoiando outro governo, pois não vai ser o partido do candidato Bolsonaro”, observa Guarnieri.

Mesmo assim, o fato de ter Bolsonaro na cabeça de chapa à presidência vai impulsionar as candidaturas e arrecadar votos para os deputados do PL. “Ao mesmo tempo que as lideranças do PP se livram de um possível abacaxi, talvez não tivesse sido tão ruim para manter ou até mesmo aumentar sua bancada no Congresso”, pondera o cientista político.

Na live da última quinta-feira, Bolsonaro aproveitou para listar quem vai contar com o seu apoio, e não deixou as alianças do Centrão de fora. Tem muitos nomes aparecendo, tem gente do PL e de outros partidos que devem caminhar junto conosco, tem PP, PR, talvez PTB, mas vamos trabalhar juntos para botar sangue novo na política, prometeu.

 



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